Lovebirds

Então o amor é um jogo emocionante, com todas as suas facetas e estágios, de paixão, prisão e claustrofobia, esperando sempre, ansioso pela plenitude utópica das pessoas, que é a prisão em liberdade. Estou assistindo, enquanto escrevo, pela terceira vez na vida a Os Pássaros, do Hitchcock. Ver filme e escrever ao mesmo tempo é coisa de maluco, eu sei. O filme é lindo. É uma linda estória de amor e punição. Talvez prisão e punição. Talvez prisão e revolta – no caso, a revolta daqueles que são prisioneiros. No começo, os principais prisioneiros do filme são os pássaros. Mas isso não é claro – os humanos do filme não são tão livres, logo perdendo sua frágil liberdade. E não sei se humanos nasceram pra ser livres.

Há quem pense ser Os Pássaros um filme de terror. Não é. Não há sustos: só angústia. Descobri com o filme que periquito em inglês é lovebird. Bom nome - essas grandes sacadas da língua inglesa. Na minha infância vi várias vezes periquitos cruzando (namorando, fazendo amor...) no viveiro de pássaros que havia no meu quintal. E, ao contrário do que acontecia no galinheiro, aquilo era um espetáculo muito bonito de se ver. O filme me remeteu à minha infância com seus jogos. A visão infantil sobre o amor. E amor é jogo. E eu não sei jogar amor.

Certa vez conheci um casal que começou um jogo e não terminou – como o roteiro do filme Os Pássaros, que parece não se preocupar em dar um final ao expectador. A cidadezinha do filme talvez seja, por si só, um final, um tipo de fim do mundo. A mocinha da trama, jovem mulher metropolitana bem nascida, que parte em destino da pequena Bodega Bay, vai rumo ao seu fim de mundo. Metrópoles são formigueiros. Já a Internet é um formigueiro com formigas de uma nova raça: uma espécie pensante de formigas que querem ser pássaros. O casal a que me refiro se conheceu na Internet e havia criado regras de estética romântica para o seu primeiro encontro, como dançar, tirar fotos e, talvez, fumar maconha juntos, regras as quais não cumpriram. Portanto eles têm, em dado momento, um jogo inacabado. Nada mais frustrante que jogos inacabados. Ainda mais se o jogo foi interrompido por força de fatores alheios aos jogadores. Um jogo sem um fim é uma angústia anti-liberdade. A pergunta é: se o jogo estava mesmo bom, e se era mesmo uma brincadeira séria – como devem ser todas as brincadeiras –, por que motivo não levá-lo a algo que se pareça com um bom desfecho, ao contrário do filme do Hitchcock, que é maravilhoso, mas não termina?

Bem. Eles pensaram então em marcar um novo encontro para terminarem o jogo iniciado. Numa nova situação onde pudessem fazer coisas não feitas antes, como beijar menos e conversar mais, tirar fotos juntos para recordação, dançar... ah, dançar... Muito embora o rapaz, na verdade, não soubesse dançar – coisa decepcionante, mas não irreversível. E assim fizeram. Pegaram a estrada. Lá naquele novo encontro, eles manifestaram suas inegáveis solidões e sentiram-se, como nunca antes, bons amigos, potencialmente grandes amigos, eu diria. Amigos destes que riem e choram juntos. Amigos. Amigos puros numa pura amizade. Mas com suas almas de periquito, não teve jeito: acabaram fazendo amor. Periquitos de Hitchcock. Que gentinha estranha! Que gente linda!