Jornalismo indecente
“A imprensa reflete o grau de democracia da sociedade e o Brasil ainda não atingiu maturidade política para conviver com uma imprensa livre” – Francisco Karan, autor do livro “Jornalismo, Ética e Liberdade”
“Somos picaretas, mas quem não é?”. Esta é a reflexão do jornal PARAÍBA HOJE, no seu editorial de lançamento, em maio de 2003. O jornal, que circulou em João Pessoa, dirigido por Vanildo Guedes Pessoa Filho, divulga com destaque: “Todo mundo sabe que é impossível, hoje, um veículo de comunicação – seja rádio, TV, jornal ou revista – sobreviver sem um comprometimento da linha editorial com quem está “bancando”, sobretudo o Poder Público. PARAÍBA HOJE chega às bancas sem a pretensão de ser independente ou imparcial. Não queremos cair no ridículo de mostrar que nossos profissionais são isentos dos vícios que a cada dia comprometem os princípios que norteiam a profissão de jornalista. A velha cartilha só existe hoje na memória de uns poucos ou nos escombros dos sebos culturais da vida”.
Essa rapaziada do tal jornal certamente tem diploma universitário, cursou faculdade de comunicação, sendo teoricamente pessoas comprometidas com um jornalismo qualificado, inclusive do ponto de vista do bem. Esse pessoal sai do banco da universidade com essa “garra” toda, suscitando alguma meditação. Primeiro, se eles têm essa convicção de que a imprensa precisa depender dos favores do dinheiro público, sem temer inclusive o escândalo que é admitir publicamente em um editorial, alguma verdade existe sobre o fato. Sem atentar para qualquer nível de responsabilidade social que um órgão de imprensa deve ter.
Depois, ficamos imaginando que tipo de educação tiveram essas pessoas na universidade, e que espécie de informação o homem comum recebe de pessoas e entidades com esse viés, que certamente leva à informação-desinformada ou à deformação. Sem querer apelar para filosofia barata, temo que isso é sinal dos tempos, um fim de civilização mundano e pobre humanamente, em que se perderam noções morais e éticas, que relegou a cultura humanística a um plano secundário. Que perspectiva temos de retirar o povo brasileiro dessa situação de miséria cultural e informativa, quando um jornal confessa que joga sujo e o sindicato da categoria, por exemplo, não se manifesta, e os confrades da província fingem que não é com eles? Pode-se argumentar que é um jornal insignificante, mas isso pode ser uma prova documental, um forte indício de que os que usam e abusam das empresas de comunicação estão preocupados apenas com a perspectiva de se tornarem ricos, opulentos, ou simplesmente “ganhar a vida” alugando sua consciência. O direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial não é respeitado em nenhum nível, conforme esclarece o editorialista do PARAÍBA HOJE, decretando que não existe liberdade de informação jornalística neste país. Para corroborar com essa convicção do “jornalista”, qualquer leitor de mediana inteligência sabe que a imprensa paraibana não cumpre o seu papel de questionar modelos vigentes que deveriam ser alterados em prol da sociedade, com raras exceções, dentre elas o colunista Rubens Nóbrega, do CORREIO DA PARAÍBA. Bater palmas para os poderosos do dia ou encetar campanhas oposicionistas em nome de esquemas políticos manjados, esse é o jogo, o lugar-comum de nossa pobre imprensa, que bem merece a companhia do PARAÍBA HOJE.
Desde 1970 trabalho com essa matéria, a palavra escrita. Naquele ano, um dos mais emblemáticos da ditadura militar recém instalada no Brasil, fundei o JORNAL ALVORADA, em Itabaiana, com o slogan: Aqui vendem-se espaços, não idéias. Depois disso, entre prisões, processos e outros tratamentos injustos que os donos do poder reservavam para os contestadores, fundei os jornais FOLHA DE SAPÉ, O MONITOR MAÇÔNICO e TRIBUNA DO VALE, colaborando no Timbaúba Jornal, A Folha (Itabaiana), Alquimia do Verbo, Umari Notícias, Força de Expressão (Sapé), Itabaiana Hoje e fiz parte da equipe de jornalismo do Portal “Conhecendo a Paraíba”, na Internet. Trabalhei como tipógrafo, fui diretor de imprensa do Sindicato dos Ferroviários e repórter do jornal O NORTE na década de 70, indicado pelo grande jornalista Cecílio Batista, também itabaianense. Desde então, publico crônicas e comentários esparsamente em jornais e revistas, versando sobre arte, fatos locais, apreciação histórica, sociológica ou mera composição literária. Sou autor dos livros PÁTRIA ARMADA, MANOEL XUDU, O PRÍNCIPE DOS POETAS REPENTISTAS, HISTÓRIA DE ITABAIANA EM VERSOS e A DEMOCRACIA NO AR, livro que conta a história do radialismo comunitário na Paraíba, área onde atuo desde 1990, tendo fundado as rádios Araçá, Zumbi dos Palmares e Vale do Paraíba.
Com essa vida de jornal, fui procurar o sindicato da categoria para o devido registro profissional. Do alto do seu preconceito, nosso amigo Land Seixas colocou tantos obstáculos que desisti de ser “jornalista profissional”. Land acredita que a formação acadêmica é indispensável ao trabalho do jornalista. Defendendo a sua categoria, ele acha que o dano causado à sociedade por uma palavra escrita erradamente, um texto fora do contexto, é muito maior do que aquele causado pelo “jornalista” que força a barra, inventa notícias, cria fatos e divulga informações com apenas uma versão, para servir a interesses de quem paga. Confesso que não sou um bom jornalista. Ainda hoje erro muito, com a humildade de estar sempre aprendendo. Mas nunca me deixei corromper, e isso não se aprende na universidade. Aprendi muito sobre ética com meu pai, Arnaud Costa, velho jornalista que muito honra as tradições de cultura de Itabaiana, a terra de Zé da Luz. Se, para ser jornalista profissional, para “ganhar a vida” nesse ofício é necessário abrir mão da independência, como esclarece o jornaleco citado no início, prefiro continuar fazendo meu trabalho de forma séria e responsável, mesmo que clandestinamente, sujeito à rigorosa fiscalização do sindicato de Land Seixas. Mesmo que o “profissional” Vanildo Guedes Pessoa Filho ache ridículo e ultrapassado essa história de ética na imprensa.
(Publicado no jornal TRIBUNA DO VALE, de Itabaiana, em março de 2003)