O COCHILO NO METRÔ.
Caminhava eu pela Rua Dona Veridiana, vindo da Rua Maria Antonia e em direção ao Largo Santa Cecília, para embarque na estação do Metrô, ali existente. Meu destino era a Praça da Sé, de onde seguiria ao meu escritório, nas proximidades. Na Rua Veridiana, minha atenção fora despertada pelos trabalhos de recuperação do alto muro de tijolos a vista, edificado no início do Século XX, para isolar a Santa Casa de Misericórdia da via pública. Os tijolos a vista proporcionavam um visual todo especial, quer pelo tamanho das peças, quer pelos ornamentos bem elaborados. Esses tijolos, de mais ou menos 25cm de comprimento, por 18 de largura e aproximadamente 5cm de altura, ficavam imponentes no alinhamento de paredes, de casas e....no meu caso do muro da Santa Casa. Algumas peças, gastas pelo tempo, esboroavam-se e alguns buracos ficaram aparentes no muro. Alguns tijolos tinham cor clara; outros mais escura e, outros ainda, cor acinzentada lembrando o beje. A aparência, o alinhamento, a altura e os ornamentos, davam o destaque e bem lembravam a época da construção. A reforma consistia em tapar, com argamassa, todas as irregularidades do paredão e, ao depois de seco o enxerto, realizar uma operação de lixamento, ou desbastamento para o fim de tornar a superfícia absolutamente polida. Este era o trabalho: desbastar a pedra bruta. Após o desbaste e o polimento da pedra bruta - no caso o muro - toda a superfície recebia aplicação de verniz brilhante; remanescia, então a aparência muito bela. O importante é que esse trabalho, a aplicação do verniz, contribui, hoje em dia, para evitar a ação de pichadores que emporcalham qualquer cidade e não existe outra explicação senão a de que são pessoa doentes da cabeça. A extensão, a altura e a imponência daquele muro; seus ornamentos, a posição dos tijolos, tudo sobrepondo-se ao trânsito de pessoas e veículos, despertaram no meu espírito um sentimento de solidão. Pensei naquele momento o porque de uma cena tão expressiva, isto é a recuperação de uma memória, não era apreciada pelas pessoas - e eram muitas - que por ali passavam. Porque eu, somente eu, percebia aquela mensagem, naquele momento e naquele lugar? Tal qual um breve sopro, tudo passou e cheguei eu ao local de embarque, na Estação Santa Cecília. Percebi, nas paredes de entrada da estação, muitas fotografias que mostravam a época do modernismo. Lá estavam, trajados conforme a época, Castro Alves, Mário de Andrade, Priscila...e cenas da época. Todos trajados a caráter e bem retratados de forma ereta. Novamente pareceu-me que a ninguém interessava a lembrança da época. Chegou o trem e procurei a indicação na placa luminosa, porque poderia estar do lado errado de embarque. Estava do lado correto e na placa estava indicado: Estação Corinthians (nada a ver com minhas preferências de futebol). Embarquei. No vagão não havia muitas pessoas, por causa do horário. Sentei-me e, porque estava cansado, imediatamente cochilei; de modo tão profundo que sonhei. Sonhei que ao chegar na estação tudo estava deserto: não havia pessoas, não havia veículos, não havia vendedores ambulantes e, o trem, ao se aproximar do lugar de embarque, não era operado por pessoa alguma. Mas tudo funcionava perfeitamente: luzes, o abrir das portas, a indicação feitas eletronicamente e tudo o mais. Sentei-me e não havia viva alma no trem. Foi dada a partida e, sentindo-me absolutamente sozinho, pensei comigo mesmo - é obvio
- Meu Deus estou sozinho?
- Será possível alguém viver sozinho?
- O que fazer?
Fui tomado - no sonho - de desesperança, de pavor e de medo e, como forma de defesa, contra aquela situação, projetei um faz de conta. Fiz de conta que o vagão estava repleto de pessoas. Pessoas alegres, simpáticas, solidárias, afáveis as quais denotavam muita preocupação comigo, com minha tristeza. Uma senhora, muito simpática e afável, dirigiu-se a mim e, no meu faz de conta, perguntou porque razão eu estava encerrado em mim mesmo com aparência de quem não acolhia aquele convívio alegre. Perguntou-me até se eu estava triste e por que razão. Sorri-lhe e disse que não estava triste, ao que ela respondeu: - Graças a Deus meu filho! Senti, no meu faz de conta, grande alegria e me pareceu não mais estar sozinho; ao contrário, estava envolvido em um ambiente de harmonia. Mas aquela senhora exclamou:
- Meu caro, a solidão e a indiferença entre as pessoas, é algo muito ruim e contraria nossa natureza! Em seguida, completou:
- Nossa obrigação, porque somos todos irmãos, é procurarmos a fraternidade, a solidariedade e, se possível, uma palavra de apoio e esperança a quem quer que seja".
No momento em que aquela senhora concluiu o pensamento, um pequeno solavanco do trem acordou-me. Retornei à realidade humana. O metrô estava quase lotado, porém ninguém trocava um olhar sequer; ao contrário, percebi que eventual troca de olhares pautava-se no rancor, no ódio que um passageiro parecia nutrir em relação a outro; e os dois eram desconhecidos entre si. Uma senhora olhava a esmo o vazio do teto do vagão. Uma criança distraia-se com um pequeno objeto e, a cada momento, era sacudido pela mãe que exigia silêncio. Um jovem portava uma enorme mochila, nas costas, e não cedia espaço para quem pretendesse passar no estreito corredor. Os passageiros que estavam em pé, jogavam-se por cima dos que estavam sentados. Homens não respeitavam as mulheres e encostavam acintosamente nelas, com expressão de seres primitivos e brutos. Uma anciã, alquebrada pela idade, não conseguiu assento, porque outro jovem, ouvindo música, com fones nos ouvidos, estava sentado no local dos idosos e não mostrava qualquer intenção de sair dali. Na porta de saída era praticamente impossível o desembarque e o próprio embarque. Acintosamente as pessoas impediam o trânsito e berravam asneiras e grosserias. Aquele deslocamento suave do trem, no sonho, não era realidade. O operador, ao chegar nas estações de embarque e desembarque, propositalmente freiava e acelerava a composição e deixava a impressão de que agia propositalmente. O sonho que tive e a realidade que se me apresentava confundiram-me naquele momento. Não consegui entender o fato de vivermos em sociedade, em determinado espaço, em dado momento e, ao mesmo tempo, encontrarmo-nos em um absoluto estado de solidão. Não me refiro à solidão em que não há pessoas ao nosso redor, mas solidão em um ambiente em que existem muitas pessoas, porém absolutamente desconhecidas entre si e que revelam ódio, repulsa, rejeição e distância em relação ao que lhe está próximo. Por fim lembrou-me o dito daquela senhora do sonho: Isso não é bom. De tudo fica a lição: Vivemos, aceitamos, nada fazemos e nos contentamos com O QUE NÃO É BOM. Fui tomado, por conseguinte, tal como no sonho, de desesperança, de pavor e de medo e, como forma de defesa, contra aquela situação NÃO ENCONTREI ABSOLUTAMENTE NADA.
Aclibes Burgarelli