Patologia Assumida
Cheguei à conclusão de que meu trabalho é igual à minha fome. Não pela usual concepção de que o trabalho fornece o alimento para matar a fome, mas por características, digamos, circunstanciais.
Sim, porque no trabalho tenho impulsos sem fundamentos lógicos que me impelem a uma insana produção desenfreada e prazerosa, capaz de solucionar as mais complexas situações. Mas, por outro lado, tenho inércias de laboro forçado, obrigado, que se recusam à aliança com minha mente por muitos segundos, pois ela está ocupada de qualquer coisa que não seja o ofício.
E, quando se trata de comida, tenho momentos de apetite solto, que me fazem abocanhar com voracidade e imaginação gestantes, mas também tenho inapetências súbitas, que mastigam substâncias indiferentes e impostas, sem qualquer semelhança com satisfação.
Fico pensando se existe alguma relação simulada ou minimamente um robusto paradoxo sobressalente de uma existência particular entre estas situações.
Se devo analisar eventual fragilidade ou negligência pela qual eu me sinta responsável e que possa gerar sentimentos como vertentes de arrependimento ou se devo meramente me considerar uma autêntica mulher contemporânea, que, ligada às descobertas da atualidade, encontrou uma forma de se adequar à ela, escolhendo sua própria bipolaridade, que não é regida por distúrbios descontrolados de humor, mas por distúrbios de prazeres mutáveis ou oscilantes.
Se esta última hipótese for acatada, deveria eu procurar avidamente um médico que assuma esta descoberta e faça de mim, a estrela da nova patologia?
Mas, holofotes à parte, existindo mesmo essa ora imaginária patologia, se por acaso ele me curasse, qual “identidade” seria a escolhida pela autoritária vida?
Deus me livre de ficar pra sempre inerte, mecânica e sem gozar do imenso prazer de degustar as delícias gastronômicas! E Deus me livre de virar uma viciada no trabalho, na produção perfeita e completa e, ainda, pra piorar, me tornar uma curada baleia ex-bipolar que degusta e aprecia demais estas tais delícias!
Pensando bem, o fato de não possuir uma linear dedicação eficiente e entregue ao trabalho e de não ser uma constante famélica, talvez sejam os fatores que me conferem o equilíbrio que eu preciso, resguardando energias para raciocínios mais exigentes e desejos pontuais que geram prazeres mais valorizados ao receber o alimento vislumbrado.
Pensando bem é muito mais divertida essa oscilação do que a chata e previsível vida dos que se dizem sãos, pois minha insanidade supostamente só tem capacidade para agredir meu chefe e minha balança, que não interessam a ninguém senão ao meu bolso, à minha estética e ao meu companheiro que deve, no mínimo, sentar e esperar pra ver qual a estripulia estomacal do dia ou da noite.
Então, dane-se a patologia, ou melhor, viva a emocionante patologia! E que os outros bipolares não me ouçam!!