16 - O REI DO BODE E O BODE REI...
16 - O REI DO BODE E O BODE REI...
Coisas e causos na Vale
Sempre havia um pé de briga, ou melhor de bode quando se juntavam dois ou mais criadores de vaquinhas do rabo-chato. Assim os criadores denominavam seus animais.
Era tal de minha cabra é isto, minha cabra é aquilo, além de ser a mais bonita é a que dá mais leite em todo acampamento e nas redondezas de Itabira, afirmava um.
O outro respondia, só para injuriar:
- Até pode ser a mais bonita!
-Quanto ao leite, sei não?
- Não se esqueça que nós estamos falando é de cabra e não da “filha de uma vaca”.
Esses diálogos acalorados podiam resultar em confusão. Não era à toa que um dos compadres tinha o apelido Vicente da Confusão.
Quando a conversa descambava era chegada à hora de entrar alguém para acalmar os ânimos.
E a molecada ali, ao redor do grupo só ouvindo a contenda.
Era trem bão por demais sô, ficar ouvindo a disputa.
A mesma coisa acontecia quando morria algum conhecido, aliás, conhecido ou não. A turma ia chegando para perto dos contadores de casos.
Com certeza, tão logo colocassem o defunto no caixão e na sala, começava aquele entra e sai, todo mundo se espremendo para cumprimentar os familiares.
Dois grupos eram certos que compareceriam: o dos caçadores e pescadores e os papa-defuntos; três amigos assim chamados.
Na verdade compareciam porque sabiam do garrafão de pinga escondido no jardim ou perto dos canteiros da horta; era certo.
Uma vez cumprido os ritos ficavam, ali comentando sobre as qualidades do finado ou da finada.
E nós... Só ali ouvindo os causos. O grupo chegava assim de mansinho nós íamos encostando por perto feito cabrito apoiado na parede de casa velha em época de chuva. Por falar em cabrito, este comentário sobre velório não tem nada a ver.
Certo dia, subindo para o Cauê, o Juquinha-babão, filho do Juca da Pedreira que morava no caminho do aglomerado do Santana, local retirado umas duas léguas bem medidas, bem... Já vou de novo, mudando o rumo da prosa.
Vamos ao caso propriamente dito, em plena madrugada de uma segunda-feira qualquer, após a baldeação que havia lá no pátio da portaria do Campestre, depois de marcar o cartão, havia o remanejamento de pessoal.
Embora a condução fosse para o mesmo lugar - a Jacutinga - alguns desceriam ao longo do caminho, nas Pitangueiras ou na estrada chamada de “seis por cento”. Ali perto da Mata São José.
Muitas vezes a escolha tinha tudo a ver com a turma que ia no mesmo caminhão. Fugir de colegas cujas brincadeiras não eram bem aceitas era comum.
Se fulano vai naquele, com certeza vou em outro.
Os caminhões traziam trabalhadores da Cia. Vale do Rio Doce de várias regiões. Embarcar em caminhão diferente do seu grupo “era catitu fora da manada”.
Se não desse para escolher sua condução, que já saíra, era pegar o primeiro que passasse para não “berrar- nela”. Esta expressão tinha tudo a ver com muitas criadas em torno do Ze Elias e da sirene que se ouvia de qualquer ponto da cidade, controlando a hora ou da condução ou hora de pegar ou largar o serviço.
O apito da sirene mais temido era o que sinalizava os minutos finais para a hora. Se você perdeu a condução e dependendo do local em que estivesse, ainda que andasse depressa ou corresse, fatalmente iria berrar-nela. Berrar-nela expressão de duplo sentido. (Já estou de novo fugindo do assunto principal que é o objeto).
Esclarecidas todas as circunstâncias que dão sentido a muitas situações e reforçam os ditados.
Era uma vez, numa segunda-feira qualquer, na carroceria de um caminhão, dois compadres continuavam a discutir sobre sua majestade o bode e sua excelência a cabra.
- Meu bode é isto, meu bode é aquilo, meu bode é aquilo outro, dizia um:
-Meu bode é tão especial que eu não deixo que ele fique em qualquer lugar, tem espaço reservado lá em casa! Afirmava o outro.
-Meu bode não deixa escapar uma cabrita, seja nova ou velha, retrucava o outro.
-Você ta fazendo onda! Lembra-se que eu levei aquelas cabritinhas novas, filhas da Mimosa? - E ele não deu no couro.
-Ih! O bode tá com a cara do dono brincaram lá de trás na carroceria.
A discussão se dava lá na frente, desta forma, todos acabaram por ouvir a conversa.
Teve um que gritou! – Ôôô! O Bode dele é viadooooô!
Alguns afirmam que foi tal de Ze Gordo que de gordo não tinha nada era magro que nem uma vara de pescar.
Foi a senha para a gritaria e gozação! E aí agüentar o tal de Leporace era dose para Leão!
O carro serpenteando morro acima em direção à Mina do Cauê ia tão devagar até parecia que ir para o céu. E para lá ninguém tem pressa mesmo!
Enquanto isso, aqui em baixo parecia mais um inferno.
Uma das pessoas envolvidas na discussão começou a passar mal, não se sabe por causa da gozação ou da ressaca, caiu no chão e ficou dando istrimilique.
Teve um empregado de nome João Petinatti que sacou da capanga de couro (de cabrito) na qual carregava a marmita, um comprimido branco já desencapado, digo, desenvelopado que mais se assemelhava a uma rodela de chupeta de criança, tão grande era o danado.
Ele mandou que o Seu Áureo lhe enfiasse dentro boca o comprimido, dizendo para engolir rápido, assim foi feito. Pura maldade!
O troço era muito grande e agarrou na garganta, o cara foi ficando aflito, vermelho feito pimentão ou tomate.
Pegaram um carote e tacaram água goela adentro!
Foi saindo espuma por todos os buracos da cara do sujeito. E o coitado a esta altura caído, só babando e soltando espuma.
Acho que foi depois deste fato é que ele ganhou o apelido de Juquinha-Babão.
Foram momentos de aflição e desespero!
Dão por certo, que foi uma sorte o cara conseguir se salvar do Alka-Seltzer! E se safou... Mas, tomou tanta água que por pouco não morre afogado.
Mas, que o bode do Rei dos bodes e cabras, ficou com fama mesmo, é de Bode-Rei-Viado!
Fev.2009/Revisado em 06/04/2010