Cada um no seu quadrado

Cada um no seu quadrado

*Fernando Pereira de Aguilar

Até a poucos anos atrás eu morava numa casa, com quintal, galinhas e hortas. O ar puro era de fazer inveja a qualquer metropolitano. Mudei recentemente para um apartamento num conjunto habitacional. Entre tantas peculiaridades que existem em morar num apartamento, há algumas observações que merecem ser feitas; a primeira é que a gente passa a ser mais observador. É interessante notar nas variadas janelas que carregam estampadas em seus vidros, cortinas multicores, que refletem a diversidade do gosto de cada inquilino.

De manhã sabemos quando os moradores começam a se levantar. As luzes começam a serem acesas formando um piscar constante de acende...apaga...

Até que os raios do sol vão fortaleçam, à noite, essa característica se inverte, quando as luzes vão perdendo sua força e vai dando lugar ao sono. É notório que os vizinhos mais antigos merecem todas as honras, pois alguns mantêm as luzes acesas dia e noite, somente para observar o que acontece nas redondezas. Como uma coruja, eles torcem os pescoços a quase trezentos e sessenta graus, pode? Nessas horas da pra ouvir alguns gritando assim “não como galinha, por causa do bico” ou “os bicos racham”.

Lembro que, onde nasci, as mulheres denominavam pessoas que bisbilhotavam o comportamento alheio de alcoviteiras, fofoqueiras, e hoje em dia, qual será o apelido? Em conversa num círculo de amigos descobri o mais novo apelido para estas astutas personagens, foram denominadas por meus amigos de “Big Brothers”, é mesmo, “vamos dar uma espiadinha”. A propósito, me recordei dos tempos de criança em que esse verbo “espiar” tinha uma conotação diferente, era prestar atenção em alguma coisa gostosa que outra pessoa comia, falávamos “para de espiar minha comida, menino, vai colocar pra você, ora essa”!

E a outra forma de nomear esses olheiros era de “Zumbis”, que sem fome nenhuma vigiavam os passos de outros vizinhos, como um fantasma noturno que fica perambulando em busca de noticias fresquinhas, para espalhar entre a vizinhança no dia seguinte.

Hoje, meus sobrinhos me visitaram, gostaram da minha nova morada, mas não deixaram de exclamar “tio isso aqui parece um pombal, daqueles que o avô tinha na roça” e o outro concordou, é mesmo, “cheios de repartições”. As crianças foram embora, mas continuei pensado na pluralidade de contextos que fazem com que as palavras de acordo com o tempo tomem novos sentidos, como “pombal”, “repartições” e “apartamento”.

Logo cheguei à conclusão, de que esse último tem tudo a ver com seu nome, pois nas fazendas, os vaqueiros fazem o “apartamento” dos bezerros para poderem tirar o leite das vacas, e logo depois reconduzem os filhotes para perto das mães. Então, vivemos “apartados”, por “repartições”, em “pombais”, é um frenesi enloquecedor. Quando um morador chega, outro está de saída. Aqui o “tempo não para” nem para os moradores, pois uns vão embora, outros chegam... Nem para as novas palavras, umas vão caindo no desuso, outras vão sendo incorporadas no nosso cotidiano como os jargões e gírias, algumas são esquecidas, e outras que foram esquecidas surge novamente, tudo acontece como num “museu de grandes novidades”. E cada um interpreta as situações de interação com as palavras e seu contexto de uma forma particular, mas “cada um no seu quadrado”.

* Aluno do 6º Período de Letras – PUCMINAS - Betim

duende
Enviado por duende em 19/06/2009
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