O cunhado
Rapaz de boa índole: ajudava a sogra, pescava com o sogro e até levava o cachorro para passear pelos arredores nos fins de semana. Agüentava tudo, menos o irmão da esposa.
O cunhado se achava inteligente, falava reiteradamente de viagens, de pessoas ilustres com quem jantava, de lugares caros e badalados que freqüentava. Se não o conhecesse, alguém engoliria o viajado, culto, inteligente, bem versado e rico que se propagava.
Churrasco entre familiares, falou mais de quarenta minutos sobre fantasiosa viagem à Europa.
- Pois é, visitei a casa do Papa, passei no museu do Louvre e na torre Eiffel, no palácio da rainha da Inglaterra. Ajoelhei no túmulo de Nietzsche e de Goethe. Comi num restaurante em frente da casa do Miguel de Cervantes e, no palácio de campo onde Thomas Mann e Hermann Hesse passavam o verão, conversei mais de duas horas com um historiadorzinho inglês... Como era mesmo o nome dele? Peter? Peter Borca? Peter Corp?
- Peter Burke, complementou um estudante de história, servindo-se de um pedaço de lingüiça, completando o copo de Coca-Cola.
- Isso mesmo! Falei com esse cara.
- Mas, questionava a fim de comprometê-lo, se você não fala inglês, como você conversou com um historiador inglês?
A máscara do cunhado ruiria se o estudante de história, vaidade intelectual inerente, não interviesse e explicasse que Peter Burke falava português. Era casado com uma brasileira.
Visitar a casa do Papa e tagarelar com um intelectual? Perdeu o fim de semana pensando numa maneira de encrencá-lo. Por mais que quisesse, idéias não lhe surgiam. Dormiu no domingo resmungando: - Nada como um dia atrás do outro. Deus escreve certo por linhas tortas. É só esperar.
Como se os pedidos secretos transgredissem os ventos e arrebentassem as nuvens, surgiram oportunidades de constrangimento.
A primeira na capital do Mato Grosso do Sul. O sogro precisava de pessoas de confiança para averiguar a separação de terras e bois do inventário do pai. Ele e o cunhado seguiram para Campo Grande. Tomaram desvios errados e perderam mais tempo do que o normal, entrando na cidade pela periferia. Passava das dez da noite. De longe o cunhado vislumbrou um corpo esguio, alto, pernas lisas. Percebendo a empolgação, silenciou sobre quem se aproximava.
O cunhado baixou o vidro. Perguntou se a moça estava bem. Ela respondeu positivamente. Ele levantou o vidro, esfregou as mãos e falou que ela disse que estava tudo bem. Fez mais quatro perguntas, sempre fechando o vidro e as repetindo ao motorista. A quinta o amedrontou. Em tom animado, qual o nome dela? A meretriz: - João Cláudio.
- Vamos embora, vamos embora! É um homem!
Na volta, conversaram com o velho e receberam a missão de se deslocarem a São Paulo. Providenciariam documentos para liberar os bens no Mato Grosso do Sul.
Como morara alguns anos em São Paulo antes de casar, conhecia bem a região do Largo do São Mateus, entre o terminal rodoviário e o acesso a Santo André. Um inferninho masculino chamado “Piu-piu” escondia-se numa fachada discreta.
Estacionou na frente de um bar:
- Vês o fervo? Uma boate. Boate das boas. Não precisa conversar. É chegar, passar a mão, beijar, acariciar o pescoço.
Sentou-se, tomaria uísque. Aproveitasse a noite. Assim que entrou, acionou um cronômetro: - Em dez minutos ele volta, falou para o garçom.
Engoliu o resto do uísque, pediu uma dose de conhaque. Finalizava o segundo copo quando, gritando, tropeçando, caindo, camisa aberta e sapato esquerdo perdido, despontou do fundo da casa de espetáculo. Olhou o relógio: sete minutos e dezesseis segundos. O garçom piscou, fingiu limpar a mesa.
- Estava tudo bem. Entrei, vi aquela mulherada dançando, pulando, se abraçando. Pulei no meio. Beijei, abracei uma, mordi o pescoço de outra. Já partia para a quarta. Aí percebi que se tratava de homem. Tudo homem. Tudo homem vestido de mulher!
Levantou-se, jogou uma nota de dez reais na mesa.
- Como pode? Tão inteligente, elegante e viajado? Ainda não aprendeu a diferenciar um homem de uma mulher?
O bar inteiro caiu na gargalhada, apontando para o cunhado arrasado, escondendo-se envergonhado no carro.
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 18 de junho de 2009.