CASO DE METONÍMIA ( Você não precisa ser "Zoilo")
Por Claudeci Ferreira de Andrade
Eu gostaria muito de saber qual a intenção daquele bicicleteiro, um “zoilo” como diria Raquel de Queiroz, ou melhor, um metediço, não é de ver que ele se atreveu a corrigir minha expressão supermetonímica, assim na cara! Tentou me impressionar com sua limitada competência linguística como bom aluno que ele pensava que era, ou apenas, quis espantar-me, o freguês que não simpatizou, com a expressão máxima de sua incompetência profissional, faltando-lhe a polidez minimamente necessária para um empresário de sucesso!?
Vejam: passando próximo à praça criativa com o pneu traseiro da bicicleta murcho, resolvi entrar em sua oficina:
— Remenda o meu pneu – dirigi-me a ele assim meio imperativo, pois tinha dinheiro suficiente para pagar o que pedisse.
— Aqui não remendamos pneu, mas sim, câmara de ar – respondeu-me com ar de "professor" arrogante, mas estava com a roupa suja e as mãos meladas de graxa como um mecânico trabalhador.
Agora só lamento por não ter explicado para ele que não estava errada minha frase, e nos 10 minutos em que eu assistia ao crítico inconsequente examinar a câmara em um balde d’água, construí, em silêncio, bons argumentos; revendo mentalmente os textos lidos recentemente: “Metonímia, ou a vingança do enganado” (Raquel de Queiroz), “As razões da metonímia em Vidas Secas” (Roberto Sarmento Lima). Constatando nenhum furo, apenas trocou a válvula, recebeu o dinheiro e virou-se. Por um instante, pensei que tivesse se arrependido da inconveniência, por fazer tão barato o serviço: um real.
A metonímia consiste na substituição de um termo por outro, por existir entre eles uma relação de proximidade, de interdependência, de inclusão. Em minha frase: Remenda meu pneu, há uma sobreposição de metonímia, o dono é usado em lugar do objeto (o pneu é uma parte da bicicleta e não do condutor) e mais ainda, o continente é empregado em lugar do conteúdo (remenda-se a câmara e não o pneu). Portanto, a metonímia é bastante frequente na linguagem do cotidiano, é um recurso expressivo da língua, perfeitamente normal e artístico.
Com este desagravo, espero preencher aquele vazio que deixei, ou melhor, quero com o mesmo pagar-lhe minha dívida linguística, como deve ser um professor que se preza. Pois só agora tive tempo de escrever aqueles argumentos que não pude dizer na hora, por gentileza. Até porque eu lera em algum lugar, não me lembro mais onde, que se o animal tiver sua perna presa em uma armadilha esmagadora, o domesticar está fora de questão, no mínimo até que o animal seja liberto e conduzido a algum grau de conforto.
Preciso desse descargo de consciência E vocês, não? Esta crônica vai lhes ser útil de alguma forma, é meu desejo.