A BAILARINA

A BAILARINA

Ontem fui a um espetáculo de dança no Palais Garnier. Acompanhou-me o meu amigo Bernard, com o seu chapéu coco de Charles Chaplin. O teatro estava lotado para ver a estréia da Companhia de Dança Cisne Negro. Bernard gostou muito do cenário e da iluminação. Os bailarinos entraram no palco e fizeram uma excelente exibição, todos muito concentrados, leves e ágeis. Fomos cumprimentá-los ao final, em seus camarins. Disse a Yuliya Nezvanova que ela fora simplesmente maravilhosa. Bernard tinha um compromisso e foi embora e eu e Yuliya saímos para tomar uma bebida em Montparnasse.

Numa mesa do Café de Flore tomamos vodca com limão e gelo até de madrugada, conversando animadamente sobre tudo. Ela era de São Petersburgo, na Rússia. Deixara o Ballet Bolshoi, de Moscou, para atender o pedido do seu grande amigo Cacileanu, que a convidou a dançar na Companhia e morar em Paris. Seu autor preferido era Dostoievski, de quem já lera “O Idiota” e “Os Irmãos Karamazov”, dois livros dos quais gostara muito e que lhe revelara o amor de Dostoievski pela sua terra. Depois de falar de si, quis saber de mim, o que eu fazia em Paris. Disse-lhe que era americano e viera aperfeiçoar os estudos de pintura, assim como fizera Cézanne, em 1861. Admirava, sobretudo, Paul Gauguin, que dedicara toda a sua vida á pintura, deixando-nos obras maravilhosas, como, por exemplo, “Duas taitianas com flores de manga”, uma tela de 1899, que se encontra hoje no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque. E assim prosseguimos, até que, cansada, ela pediu que a levasse a sua casa.

Uma semana depois ela ligou em meu celular, marcando um encontro. Passeamos pela Rue de Rivoli, tomamos sorvete no Jardin du Carrousel e a levei a conhecer a famosa livraria Sheakspeare and Company. Conversamos outras tantas horas na place du Parvis Notre Dame, vendo a imensa Catedral que inspirou Vitor Hugo a escrever “O Corcunda de Notre Dame” e os barcos descendo lentamente o Sena. Depois ela despediu-se de mim, convidando-me a vê-la, mais tarde, no ensaio do Cisne Negro. Fui ao Teatro. Ela estava no palco, em trajes de dança. Sorriu ao me ver e, no intervalo, veio ao meu encontro e me abraçou com doçura.

E assim passamos os dias, juntos, a sorrir pra vida. Ela vinha ao meu estúdio e eu a desenhava, traçava na tela as linhas do seu rosto. Eu ia aos ensaios e às apresentações do Cisne Negro, no Palais Garnier, depois saíamos, dançávamos na rua, alegres. Nos separamos quando a Companhia encerrou a temporada em Paris e partiu em sua turnê mundial. Tempos depois regressei a Nova Iorque, onde estou. A meu lado, na parede do apartamento, está o retrato dela, uma tela enorme, que batizei de “A Bailarina”.