O PATO. O VENDAVAL E O TORNADO.

O PATO, O VENDAVAL E O TORNADO.

Pensamento: A explicação, às vezes, está na ponta do nariz; entretanto não a enxergamos.

A sabedoria popular nos ensina que o ser humano somente se realiza depois de cumpridos três grandes feitos: ter pelo menos um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. De minha intuição, pensei que poderia cumprir parte das tarefas, isto é não afastar a idéia de ter um filho (consegui três), de plantar uma árvore (realizei com o plantio de várias).....escrever um livro? Esta condição, a mim, pareceu muito distante.

Felizmente, por força de minha atividade profissional, judiciária, ao lado de outra, de magistério superior, fui levado a editar algumas obras, alguns artigos e vários pareceres jurídicos; entretanto, todos de natureza técnica, sem qualquer realização mais próxima à alma.

Quase que de forma imperceptível, mas por causa da técnica que fui obrigado a assimilar, para confecção de minhas obras, no subconsciente, muito matreiro e sem que eu o percebesse, soltava-se a pequena semente de sentimento íntimo; semente de cuja germinação aprecia o broto de minha imaginação; por conseguinte, no momento em que se revelavam algumas imagens de meu passado, mais ficava convencido de que era o momento para se dedicar algum tempo ao registro de minha alma verdadeira e não a convencional.

Escrever? - Sim! – respondi para mim próprio.

Para quem? - Para mim mesmo, tornei a responder.

Escrever o que? - Alguns momentos de minha vida!

O sério diálogo ensimesmado, funcionou como realização pessoal, porém conduziu-me à seguinte conclusão (e aqui outro diálogo íntimo):

- Eu, por meio do meu próprio espírito, tomo minha existência, como objeto de realização pessoal!

Parece complicado, ou no mínimo, coisa de louco... mas não é. A partir da auto-revelação, agora mencionada, acordei para dar crédito a certos comportamentos, sempre presentes, mas nunca apreciados, ao longo de minha vida, dedicada à várias atividades profissionais. Agora, contudo, estou aposentado em uma delas. Certos comportamentos que, submetidos ao crivo de analistas, seriam, por certo, ponderados à luz do radicalismo com que Freud a tudo buscava explicar.

Para minha existência, agora que algo de bom aconteceu porque passei a ver nas pequenas coisas nos singelos gestos e nas entrelinhas de certas conversas despretensiosas, a verdadeira comédia e o humor com que se deve tentar compreender o relacionamento humano, pode ser perfeitamente delineada; em assim sendo, entendo poder viver bem.

Pois bem, vamos ao que interessa.

Sempre sonhei – e aqui talvez alguma explicação de Freud até que seria aceitável – em possuir um sítio, em zona rural serrana; pretendia reviver os felizes momentos de minha vida, passados na fazenda de meus avós, em uma região serrana, no interior de São Paulo, próximo ao Sul de Minas Gerais.

Consegui e adquiri dois alqueires paulistas de terra, numa região serrana, próxima à Cidade de Sorocaba, em São Paulo. Tudo era vazio: nada de casas, de bairros, de aglomerados de pessoas; enfim, era o lugar ideal para construir a réplica – guardadas as proporções do local – da casa sede da fazenda de meu avô. Consegui chegar bem próximo à minha lembrança e passei a usufruir, no final de cada semana, por mais de vinte anos, aquele sonho realizado.

Dentre as alegrias (dizem que há duas, quando se trata de casa de campo ou de casa ou apartamento na praia; uma na compra e outra na venda) produzidas estava a de sentir o convívio pessoal com residentes da cidade, em particular os proprietários, empregados e freqüentadores do armazém principal do Zè Pereira.

Armazém de interior, onde de tudo há um pouco: sacos de arroz, de feijão, de carne seca, panelas, baldes, pregos, cordas, selas, ferraduras, fumo de corda, além de secos e molhados. Mas não é somente os alimentos que ficam expostos, penduram-se enxadas, baldes de zinco, cangas de animais e outras coisas mais; era algo comovente e salutar aos olhos.

A conversa que envolve o lugar, nesses estabelecimentos, nublados com a fumaça dos cigarros de palha a exalarem odor característico e revelador de que se está longe das grandes cidades, é de natureza particular e própria de cada região. De tudo fala-se um pouco. Fala-se de ciência, de filosofia, de esportes, da natureza; entretanto fala-se e é importante notar que falar não quer dizer reproduzir a verdade, mormente no tom caboclo, segundo o qual para tudo há uma explicação muito simples.

Se o caboclo diz que vai chover e alguém pergunta qual a base da afirmação, a resposta é simples:

- Tá vindo um vento frio do lado de lá – diz ele.

Se alguém pergunta qual time de futebol vai ganhar a partida do dia, vem, de pronto a resposta:

- É o time X, porque o ténico é bão. – Explica rapidamente o caipira.

Assim que cheguei naquele armazém, conhecido por “Zé Pereira”, fui de encontro com meu amigo, cujo relacionamento formou-se por causa da minha condição de freguês e as idas certas aos sábados, sendo certo que por ele, sempre fui bem atendido. O homem era falante demais e, a qualquer custo, ansioso, sempre noticiava os acontecimentos mais marcantes da semana. Acontecimentos da região, da cidade e de pessoas conhecidas.

Se alguém tiver, um dia, de desenhar uma caricatura desse amigo ao qual faço referência, por certo inspirar-se-ia num pato; sim num pato, porque o formato da cabeça e da estrutura dos lábio, inspiram a imagem de um pato. A voz lembrava a de um pato falante dos desenhos animados. Pois bem lá estava o “Pato”, como o apelidei, a colocar-me em dia a respeito das notícias da semana.

Naquela ocasião acompanhei pelos noticiários de rádio e televisão a passagem de um tornado na região, proveniente da cidade de Itu e que seguiu a direção do alto da serra, rumo ao litoral do vale do Ribeira. Nada comentei com meu amigo “Pato”, o qual não mais será discriminado com aspas e sim como se fosse uma figura verdadeira. Não o fiz porque queria dele ouvir as explicações científicas, sob sua ótica.

Não deu outra. Assim que entrei no armazém a conversa era uma só: os ventos, os estragos, aves, cavalos, enxadas, telhas tudo era visto voando alto. Muitos juravam de pés juntos que era verdade “verdadeira”, no dizer do caipira. O Zé da Pinga, afirmou que viu uma vaca voando e só a reconheceu pelo mugido alto que a coitada emitia lá no alto, no pé da serra. Para muitos era um sinal de Deus sobre o fim do mundo; aliás, o ano de 2000 estava próximo e, segundo eles, tudo estava escrito a respeito do fim do mundo e dessa data.

Tal qual o samba que foi interpretado por Carmem Miranda, a respeito da notícia do fim do mundo, o mundo não se acabou. Importante era que eu queria ouvir do Pato, a explicação científica do fenômeno natural. Para provocá-lo perguntei se afinal de contas o vento era um vendaval ou um tornado?

Todo o noticiário da imprensa se referia a um tornado. É evidente que Pato não sabia a diferença entre tornado e vendaval, mas tinha conhecimento de que, em ambos, havia muito vento. Para ele vendaval ventava mais do que tornado. Mas ventar menos significava, para o Pato, uma pequena notícia e ele pretendia uma grande notícia. Assim que formulei a pergunta, Pato pensou um pouco e imediatamente, com ar de superioridade e convicção, respondeu-me:

- Seu dotô, de verdade foi um “mini vendavar”!

Pensei comigo mesmo, melhor resposta não poderia esperar. De forma simples, tudo singelamente foi explicado, com a palavra mágica “mini”. É desnecessário dizer que minha admiração pelo meu amigo “Pato” aumentou.

Aclibes Burgarelli.

aclibes
Enviado por aclibes em 17/06/2009
Reeditado em 29/04/2010
Código do texto: T1654057
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