HERANÇA LITERÁRIA
Morre o sogro da minha amiga, colega de trabalho, vizinha. Um viúvo gentil, que me cumprimentava ao passar em suas caminhadas matinais.
Depois das ações de praxe, certo dia, no trabalho ela me propõe:
-Você que gosta tanto de poesia, vai ficar com os livros do velho.
-Bel, não posso. Crianças pequenas, alergia, lá em casa é um sufoco com meus livros. Melhor doá-los pra biblioteca.
Mas não resisti e lá fui eu ver os livros. Preciosidades. Se pudesse levava todos. Escolhi o mais antigo, edição 1908, amarelado, intacto, marcações de métrica feitas pelo leitor. 4 títulos numa encadernação única. Guardei-o zelosamente para ver se eu o veria completar cem anos.
Poesias, amores e muitos anos depois, bate a depressão. Meu filho, preocupado, me chega com uma novidade:
-Mãe, a avó do meu amigo, que é “entendida”, disse que lhe viu e que tem um homem lhe acompanhando. - Já fiquei interessada...
-Quem?? Pergunto eu.
-Um espírito desencarnado, que não é nosso parente e não deixa ninguém se aproximar de você. Ama você e tudo que você escreve.
Num impulso, meus olhos se depararam com o livro, cuidadosamente guardado na estante.
Será?