MOBRAL
Até pouco tempo era comum, numa atitude para desmerecer alguém por dificuldade de entendimento de palavras expressões ou compreensão de algum fato, chamar as pessoas de Mobral. O Brasil, numa época em que estava à espera de um milagre econômico criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização para fazer as pessoas funcionarem melhor. O país estava de vento em popa na economia sob um governo militar. As coisas iam funcionando bem e as pessoas não. A taxa de analfabetismo era de quase metade da população. O Mobral destinava-se a fazer com que todos pudessem ler e escrever, fazer contas e assinar o nome. Principalmente assinar o nome e fazer contas de mais, menos, dividir e multiplicar, como acabou acontecendo. Gente que não tinha tido oportunidade de freqüentar a escola no tempo certo, tinha a chance de freqüentar grátis, as aulas que eram ministradas em salões de igrejas, clubes recreativos e outros espaços cedidos na marra para esse fim. O ufanismo que tomou conta do país não era espontâneo. Foi estimulado para dar credibilidade a um governo que não havia sido escolhido pela população e mesmo com a força das armas queria alguma legitimidade. Se desse certo poderia se perpetuar no poder. Conseguiu, a trancos e barrancos sobreviver por mais de vinte anos.
Uma de minhas irmãs chegou a ser professora do Mobral. Tinha apenas dezesseis anos e já era professora de gente de trinta, quarenta e mais anos. Havia no programa uma proposta embutida de controle de natalidade para pobres e iletrados. A população ignorante estava crescendo muito e isso não era aceitável. O mal da desigualdade tinha que ser cortado pela raiz. Distribuíam para as freqüentadoras um leite em pó contendo um remedinho que emperrava a fertilidade das mulheres. Minha irmã tinha o hábito de tomar do leite no salão da igreja onde dava aulas e isso lhe custou anos mais tarde um tratamento de mais de cinco anos para conseguir engravidar.
O orgulho de ser brasileiro era vendido em slogans, propaganda maciça, música e muita bordoada para os descontentes. Os maiores ídolos desse ufanismo chamavam-se Dom e Ravel, uma dupla que cantava os valores e possibilidades do povo brasileiro. Alguns defensores dizem que eles eram assim mesmo e que suas músicas foram usadas pela ditadura. Outros, que eles estavam a serviço do sistema. Mas ficou a obra e a gente aprendia e cantava na escola, na rua e ouvia no rádio e TV, todos os dias. Para o Mobral, compuseram uma canção comovente (VEJA A LETRA ABAIXO) que empurrou centenas de milhares de pessoas para as salas de aula na esperança de serem agraciadas pelo milagre econômico depois de aprenderem que dois e dois são quatro e fazerem as garatujas de seus nomes.
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No you tube há o vídeo com os cantores e a música toda. E só digitar o nome.
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VOCÊ TAMBÉM É RESPONSÁVEL
Dom e Ravel
Eu venho de campos, subúrbios e vilas,
Sonhando e cantando, chorando nas filas,
Seguindo a corrente sem participar,
Me falta a semente do ler e contar
Eu sou brasileiro anseio um lugar,
Suplico que parem, prá ouvir meu cantar
Você também é responsável,
Então me ensine a escrever,
Eu tenho a minha mão domável,
Eu sinto a sede do saber
Eu venho de campos, tão ricos tão lindos,
Cantando e chamando, são todos bem vindos
A nação merece maior dimensão,
Marchemos prá luta, de lápis na mão
Eu sou brasileiro, anseio um lugar,
Suplico que parem, prá ouvir meu cantar