Baiano de vez em quando
Uma amiga, estando em um supermercado em Salvador, foi reclamar da morosidade que a moça do caixa trabalhava.
-“Você está na Bahia!”. Foi o ligeiro coice-resposta da lenta funcionária na contrapartida da estressada reclamação.
Eu sei que o cliente tem sempre razão. Eu sei que você tem muito que fazer – por isso está lendo esse texto apressadamente. Também concordo que a mocinha foi de uma grosseria repugnante. Confesso também que, como bom cearense, daria o troco àquela preguiçosa desaforada sem costume. Mas naquela época. Hoje não. Eu fiz cinqüenta e um anos no último janeiro e desde o ano passado que perdi a pressa. Segundo um amigo, já estou no segundo tempo do jogo da minha vida. Findou o primeiro tempo, acabou o acréscimo do árbitro, passou o intervalo e agora estamos no desenrolar da segunda etapa da partida antes da minha partida. Só que estou fazendo uma cera na maior cara-de-pau para provocar outros acréscimos. Vai ter prorrogação seguida de longa disputa de pênaltis. Depois ainda vou entrar com um recurso e a proclamação do meu fim só vai sair mesmo no tapetão.
Então para que a pressa? Gosto do Mia Couto, aquele escritor moçambicano meio baiano que disse que era feliz só por preguiça. Então para que a pressa? Deus fez o mundo em seis dias. Ele foi deixando para amanhã o que poderia fazer num segundo. Deus estava na Bahia quando fez o mundo e, já que estava por lá, descansou no sétimo dia. Eu vou me converter para adventista do sétimo dia, no sétimo dia eu descanso.
Ah! Meu rei... mudei meu reinado para a Bahia sem sair do Ceará. Eu estou na Bahia desde o ano passado. Quem quiser falar comigo que entre na fila e, se algum estressadinho reclamar, respondo na lata: “Eu estou na Bahia!”.