A FÉ QUE NOS SALVA...

Eu a conheço de longa data, assim com à maioria daqueles idosos mais que octagenários que sempre encontro por lá.

Fazia tempo que não a via e confesso que não me lembrava de que carrega uma surdez bilateral que já adquiriu há muito tempo.

Uma senhora duma meiguice encantadora e duma resignação que só a fé em Deus pode nos dar.

Aprendi a ouvir as histórias com muita atenção não só por por motivos técnicos mas principalmente pelos humanos, posto que percebo que aprendo demais com todas elas, e lhes digo que também aprendi que a fé é uma virtude que salva, porque nos faz carregar a vida com mais leveza.

E hoje nos reencontramos oportunidade em que veio a mim de maneira inesperada.

Quase não conseguia fluir na conversação por cansaço extremo e também porque mal ouvia a minha fala que na sala já ressoava em tom bem alto.

Foi quando lhe perguntei o que havia ocorrido nesse tempo todo em que não nos vimos.

Em tantos anos nunca se queixou da surdez o que hoje me levou a crer que tal incapacidade nunca a incomodou.

Hoje, apenas se lamentou do "coração fraco" recém operado, e que temia morrer antes do marido, porque os filhos já lhe avisaram que colocarão o pai numa casa de idosos, caso venha a falecer antes dele.

"Não quero isso para ele", me disse ela, "ele sempre gostou muito de mim", "temos que honrar pai e mãe, está escrito"-foi o que ensinou a vida inteira para os seus quatro filhos...

Contou-me também que o marido teve problemas com o etilismo desde cedo e que várias vezes pensou em o deixar em virtude de alguns atos de violência, mas que nunca teve coragem para tal.

"Os meus ouvidos , por exemplo..." foi o inicio da conversa que me desolou.

Há muito tempo atrás, ainda quando jovens, perdeu a audição bilateral em virtude dum trauma que sofreu por parte duma agressão do marido.

E assim seguiu sequelada de corpo e de alma, com o espítito solitário, em nome duma fidelidade que entende como capital.

E depois de esboçar um sorriso ainda me consolou:" é assim mesmo, violência tem em todo lugar, ontem mesmo..."

E continuou a me contar que ontem dentro dum coletivo ,quando voltava do hospital, alguém puxou conversa consigo, alguém que me descreveu como uma moça simpática que desceu no seu ponto só para lhe ajudar até a porta de casa, posto que a achou ofegante demais...e chovia muito.

Agradecida, assim que se despediu da moça percebeu estava sem a carteira.

E me notificou num tom de "auto deboche":

" Acredita que ela levou meu único dinheiro e o meu guarda-chuva? Mas não tem problema, eu já aprendi que não vão me fazer falta..."

Engoli a seco e me perguntei quantas coisas eu ainda tenho a aprender...apenas ouvindo.