Amar o tempo inteiro? ¹
“É exaustivo manter a corda do amor esticada o tempo todo, e você descansa o braço para relaxar. Não é desamor, é uma pausa para beber água – mas já pensou se aquela bandida ou aquele bandido passa numa hora frágil dessas? São coisas que acontecem ao longo de um amor, e o momento passa sem bandidos, que apenas riscam a paisagem e somem como pássaros.” – Ivan Ângelo
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Na crônica da revista Veja São Paulo de 10 de junho de 2009, apropriadamente próxima da data maior dos namorados, o cronista Ivan Ângelo trata do tema amor de uma forma deliciosa, afirmando que não amamos o tempo todo. O título (“Você ama, mas...”) induz aos altos e baixos pelos quais toda relação passa, porém de forma mais delicada o texto trata, na verdade, dos momentos em que esquecemos temporariamente de quem amamos, seja por preguiça de cobrar algo que não vale a pena, seja por outras coisas que nos ocupam o tempo, ou ainda por achar que estamos dando demais sem receber em troca. Segundo ele, é como se fosse “um fim de semana prolongado, sem viajar”.
Acho que a bela crônica resume de forma extremamente simpática a visão masculina do amor tranqüilo, daquele amor de muito tempo ao qual a gente acaba até se acostumando; mas que, ainda segundo o autor, “basta um perigo, uma doença, um assédio para você despertar para o seu amor, como de uma cochilada”. E conclui: “Não é sempre que você ama quem você ama, mas, quando se dá conta, já passou uma vida inteira amando quem você ama.”
Porém, o que dizer do amor que assola como vendaval, daquele que começa com uma paixão arrasa-quarteirão e que, por motivos os mais diversos, demora para se transmutar em amor tranquilo? Daquele amor que pode ser difícil, inoportuno, quase impossível; daquele que não respeita mão de direção, documento assinado ou calendário... Desse tipo de amor não é fácil passar ao largo, ou deixar de amar um só segundo. Esse amor-paixão nos toma todos os minutos, todas as horas do dia e da noite, e ao contrário do que diz o texto, é ao objeto desse amor que nossa mente se volta, ávida, quando passa sem querer longe dele, seja por compromissos e obrigações inerentes à sobrevivência, seja por absoluta falta de possibilidade; não tiramos férias nem fins de semana, não temos horário de almoço nem mesmo pausa para um cafezinho. Lembramos que amamos quem amamos o tempo inteiro, até nos locupletarmos de paixão - e mesmo assim, gulosos, ainda não nos satisfazemos...
Às vezes esse amor-cama-de-pregos sossega, e evolui (melhor seria dizer: transforma-se) em amor-sofá, confortável e pacífico; e aí então sim, ao longo do tempo, podemos nos dar ao luxo de deixar temporariamente de amar, como sugere a crônica. Mas, se ele não se rende à paz e mantém o coração em permanente estado de alerta, só nos resta viver em eterna taquicardia, fazendo bobagens em nome da paixão rebelde que ele suscita.
“Eu quero a sorte de um amor tranqüilo”, dizia Cazuza, enquanto Chico rompia com o mundo e queimava seus navios... de qualquer forma, é tudo amor, e tudo vale a pena se a alma - e o coração, se me permitir Fernando - não são pequenos.
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¹ Este texto foi publicado com autorização do escritor Ivan Ângelo, a quem agradeço a atenção!