Minha foto

Tenho aqui uma fotografia datada de 1952, em preto e branco. Nela estou ajoelhada, com véu na cabeça, vela e terço nas mãos. De vestido branco e comprido, com enfeites de renda que vovó pregou. Ao fundo, o cenário de um altar. É cenário, porque ela foi tirada no estúdio da retratista, como diziam, dona Remedica, lembro bem. Nem precisava lembrar, pois no cantinho há um timbre onde se lê: “Photographia Remedica”.

Que choque! Sou do tempo do ph !

Devia ser um tempo de transição orthographica (?) porque eu já estava no terceiro ano primário e sempre aprendi a escrever os éfes com F. Só desaprendi ao estudar outras línguas e hoje penso que deveríamos ter conservado essas relíquias para reconhecermos mais rapidamente a origem e significado de certas palavras. Mas este é outro assunto. Voltemos à minha photo.

Depois da missa em que comunguei pela primeira vez, fui à casa daquela senhora que me conduziu até uma sala escura. Ela acendeu uns holofotes, tirou meus óculos do nariz, ajeitou o véu, sempre dizendo para eu ficar assim e assado, sem me mexer. Quando a pose estava a seu gosto, ela corria para trás de uma geringonça e escondia a cabeça debaixo de uma cortininha preta. Levantava o indicador e dizia: olha o passarinho! Repetiu a cena várias vezes. E eu lá, agoniada.

Aflita, sem enxergar direito, queria recolocar os óculos, mas ela não deixava. Os fotógrafos não gostam dos óculos por causa do reflexo e não pensam no resultado ao registrarem vesguinhos. O retratinho que tenho aqui está lindo, mas os meus olhos...