Na Base do Milagre

Seria um impropério deslavado dizer que fui eu quem criou tudo isso. Tampouco posso afirmar que já estava assim quando eu nasci. Mesmo porque é possível desenhar um arco entre a data do meu nascimento e o dia de hoje. Entre o primeiro abrir de olhos e o momento sobre o qual agora, pasmo, observo. Sucederam-se tantas ocorrências que não se faz possível, nem em teoria, contabilizá-las. Também não há o desejo de que isto se realize.

Seria insólito pressupor que estive em todos os lugares por determinação própria, fazendo-me conhecedor de causas e efeitos e, pasme, com capacidade de divisar ao longe as possibilidades variantes derivadas das pequenas causas e dos menores efeitos. Talvez tenha estado em todos os lugares, mas honestamente não me lembro. Tampouco nutro ânsias particulares no sentido de saber onde estive.

Seria fora de hora marcar um encontro com a mulher amada, pasma, para dizer-lhe que tenho feito tanto esforço em me livrar dos condicionamentos anteriores, que já não posso atinar ou sequer delinear o que quer que seja o que chamam amor. Será preferível vivê-lo um tanto a esmo antes de desferir tal sentença. Reside nesta intersecção o desejo não dito de investigar polegada por polegada ao invés de verbalizar acerca de algo que inesperadamente desconheço.

Seria um erro praguejar contra todas as músicas já que o ecletismo dos meus sentidos, pasmos, permite suas variações tanto quanto o balançar das folhas tem um jeito sob o vento norte e outro comportamento sob o vento leste.

Seria quase um modo errôneo sugerir, pasmem, que ao titubear rente aos abismos eu tenha conseguido me livrar deles pela sorte, somente ela, quando todo mundo sabe que a sorte expira. Quanto a isso só posso afirmar que os desafios, antes vistos como abismos, foram transpostos pelo desejo do arco realizar seu desenho, desde a foz até o ponto final desse texto. E que de um modo muito simples devo dizer que de lá até aqui a sensação que fica pode ser expressa através do título Na Base do Milagre. Nada mais.