MÚLTIPLOS OLHARES

Quem somos nós? Essa é a pergunta que mais tenho direcionado a mim mesmo nos últimos tempos. E o questionamento tem dado resultado. Reflexionando, tenho chegado a algumas respostas importantes a respeito do ser humano, entendendo assim, meu comportamento em relação à sociedade e vice-versa.

A capacidade de colocar vivências no papel, acaba sendo um agente facilitador para as reflexões que me tomam a mente. Transcrevendo os fatos, revivo as situações e analiso meu comportamento, objetivando minha melhora moral.

Apesar de jovem, carrego uma bagagem relativamente grande de acontecimentos que diariamente auxiliam- me a viver melhor comigo mesmo e com o outro.

Como é de conhecimento de meus leitores frequentes, minha deficiência acaba sendo a maior inspiração para minhas publicações. Não poderia ser diferente, já que a tendência do olhar humano sobre mim, é no mínimo, receosa. O que tem tomado meus pensamentos no entanto, é que o olhar de receio, por vezes acaba dando lugar a múltiplos olhares sobre minha pessoa.

É absolutamente natural, que uma pessoa, avistando um rapaz "normal", acomodado no assento reservado de um ônibus, chame a atenção, alertando para o fato da prioridade do lugar. Está certo que na maioria das vezes, sou praticamente escorraçado, pela delicadeza que o ser humano desenvolveu no trato pessoal, sendo corriqueiro também, os belos nomes direcionados a mim e a minha pobre mãezinha. Eu não deveria, mas acabei me acostumando à falta de educação e bom senso do bicho homem. Não obstante, continuo achando que uma pergunta formulada com um tanto de polidez, custa muito pouco. Talvez gastemos apenas um pouco de saliva. Mas de fato, acabei me adaptando, e por que não dizer, me acomodando, diante de um quadro tão preocupante.

Porém, todos esses fatos acabam ficando em segundo plano, diante da nova situação que venho observando.

Geralmente, o primeiro olhar que me é lançado, é plenamente agressivo, e o julgamento é o pior que o leitor possa imaginar. Não tivesse a estrutura que tenho, angariada sob o jugo das experiências desagradáveis de preconceito, sentir-me- ia um monstro, verdadeiramente.

Passado o bombardeio inicial, via de regra, meu agressor, passa então a saber de minha real condição. Exatamente aqui, ocorre o fenômeno dos múltiplos olhares. Tomando ciência de minha deficência, as pessoas transformam- se, como num passe de mágica. O que antes era para mim, um terrível e até temível opressor, passa a ser meu incansável defensor. É como se ninguém mais pudesse dirigir- me a palavra. "Ele não vai se levantar. É doente. Não consegue ficar em pé."

Em segundos, passo de vilão a herói, tal qual um goleiro, que fecha o gol 89 minutos, e desliza no derradeiro, ou jogue muito mal pelo mesmo tempo, e pegue o pênalti que decide a partida. Sei dizer que por instantes sou autosuficiente, depois passo a coitado, dependende de tudo e todos.

De onde vem tamanha diferença de conceitos? Por que razão ocorre a disparidade polar?

Realmente ainda há muito a desbravar na enigmática mente humana. Oxalá, pudesse desenvolver produtivo diálogo com os companheiros de coletivo. Falar do trabalho, da vida, da deficiência, dos desafios... Todos parecem me fornecer, com o olhar, um verdadeiro atestado de incapacidade plena. Muito pouca gente sabe, que qualquer pessoa, seja ela portadora de QUALQUER deficiência (física, auditiva, visual ou intelectual, acreditem), é capaz de conversar. O que nos falta é oportunidade, já que a prioridade eletrônica do mundo é muito forte. Além do mais, as pessoas estão sem tempo e cabeça (literalmente), se o leitor entende os parênteses.

Enfim, diante dessa crônica interativa e reflexiva, este escritor conclui que ainda nos encontramos demasiadamente longe do equilíbrio, o fator essencial, que deveria reger a vida de todos nós.

Por falar em essência, busquemos nossa intimidade, a fim de encontrar algo além do esteriótipo efêmero, que preza pela perfeição exterior, pautado em padrões sócio culturais, que certamente cairão por terra diante da grandeza da vida.

Representamos alguma coisa de bom para o mundo que nos circunda e seremos sempre dotados da indefinível essência, que nos faz únicos em meio ao universo!

Marcello Santos
Enviado por Marcello Santos em 14/06/2009
Reeditado em 14/06/2009
Código do texto: T1649085
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