Bolsa de lembranças
Águida Hettwer
 
  
    Até que enfim, dar-me-ei o luxo de um curto e bom descanso, quebrei o ponteiro do relógio, guardei os compromissos na gaveta, adiei a sabatina, antecipei o feriado prolongado, para degustar a vida, com direito a sobremesa preferida.
 
    Se existisse manual para arrumação de malas de viagem, seria a primeira a adotar a tese. Catequizando a memória para não esquecer os pertences, na previsão do tempo de um pequeno espaço. Empilhando emoções em cada peça de roupa, seguindo os rastros dos sapatos, deixados a esmo.
 
    Remexendo lembranças, guardadas na bolsa, escondo um pôr-do-sol em cada compartimento, num lugar longe de mim, carrego a varanda ensolarada de casa, os cânticos latidos dos meus cães. Em uma fração de segundos, transporto o mundo em minha volta, em um versículo lido para aquele dia.
 
  Na gravura dos sonhos, pintei riscos de esperança, curvei-me diante da natureza, sem acenar despedida, das muitas vidas constituídas. Vi-me, no pátio da infância, ansiosa, para o passeio promovido na escola, arrastando nas sacolas, cantigas de roda. Estendendo a toalha de renda para à hora da merenda, ofertando a vida oferenda, na permuta de ser feliz.
 
   Quiçá sair de mim, para não copiar-me outra vez nos mesmos erros. Os varais de minha existência balançam vestes lavadas, cheirando a capim-cidreira, colhido da horta nos fundos de casa. Traça os pés, em roteiro inédito, deleite merecido ao sol em gomos de bergamota.
 
 Enredam os anseios, em águas de calmaria, não culpo o vento por minhas pressas. Escolho envelhecer, nas linhas de minhas prosas, sem tirar férias de mim...
 
 
14.06.2009