UMA ÁRVORE, UM FILHO, UM LIVRO...

Finalmente ele nasceu. A espera foi longa, porém em nenhum momento, cansativa. O mais importante é que ele nasceu perfeito, esbanjando saúde, no tamanho certo e com um peso considerado o ideal pela maioria. Aliás, hoje já não se diz assim. O vocabulário certo é: foi concebido de forma estética perfeita, tendo tido o cuidado de ser, visualmente, atrativo aos olhos de quem o vê e o toca. Portanto, ele veio ao mundo trazendo em seu corpo, as melhores condições de ter uma vida longa, prazerosa, cultivada em seus mínimos detalhes e, com certeza, o seu lugar ao sol será, brevemente, um lugar de destaque.

Contudo, como toda concepção, essa também teve seus momentos de indecisão e de insegurança. Mas, confesso, foi só no seu início, pois assim que passou a fase crítica de concebê-lo, a gravidez correu maravilhosamente bem. Explico: acredito que toda concepção deve ser tratada – hoje em dia – com muito carinho. Os pais conversam entre si, concordam e discordam, fazem o planejamento, dividem as obrigações, enfim, acabou-se o tempo em que “fazer” um filho era como plantar batatas: só precisava estar perto da vazante de um rio para vê-los nascerem aos montes. Aliás, no mundo em que eu estou entrando, fazer um filho é coisa séria, compromissada, inclusive, o filho deve ser e ter o acabamento certo – nem mais nem menos – para que possa ser aceito pela sociedade em que ele vai passar a viver.

Pois foi assim que eu fiz: planejei-o desde o seu início. Primeiramente, eu escolhi de que ele seria composto. Sim. Como é costume, todo filho é praticamente igual pelo lado de dentro. Ele, eu fiz questão que não fosse. Para que isso fosse possível, eu me sentei defronte à minha mesa de trabalho e planejei cada detalhe do seu interior. A cada órgão eu fui colocando um nome diferente ao nome normal. Só como exemplo, ao coração eu dei vários nomes, entre eles, o amor não dói, o amor nem sempre é eterno, o aluno, a dor de um pai, a lição do velho mestre, e assim por diante...

Depois, ainda na fase de planejamento, eu o inscrevi. Verdade. Ele, antes de nascer, passou por uma verdadeira maratona. Primeiro, eu o registrei para ver se ele podia ser concebido; depois eu tive que deixá-lo “apresentável” para que ele fosse analisado por cinco experts no assunto – revelo aqui que foi o meu momento de angústia, de aflição maior e, acredito eu, o momento pior para quem quer ser pai: ver seu filho ser, primeiramente, esmiuçado, de pé a ponta, de frente para trás – e, só depois disso tudo, é que ele, finalmente, foi aprovado e recebeu o alvará para ir para a maternidade.

Bem, depois dessa maratona toda, escolher como seria o seu exterior, a começar pelo seu rosto, não foi tão difícil. Assim, como todo marinheiro de primeira viagem, foi preciso a ajuda de quem já havia feito “outros” rostos. Por sinal, o cirurgião estético, também conhecido como designer gráfico – Rick Waeckmann – está de parabéns. E olha que lhe dei apenas um esboço de como eu o queria, e o resto, o acabamento final, inclusive a cor, coisa da qual eu não abri mão, ele fez fielmente. Daí, para que o seu interior fosse condizente com a performance do seu lindo olhar, eu me vali de um grande especialista no ramo de cirurgias cardiovasculares, o doutor Caio César, que fez toda a mudança estética que, segundo ele, dá-se o nome de diagramação, que é, nada mais nada menos, que dispor da estrutura predeterminada, para compor todos os elementos, de acordo com o formato, os tipos, as medidas, enfim, ele foi o responsável pela mudança, até mesmo, dos nomes. Aqueles em que eu troquei (coração por...).

Por fim, só me restou esperar o dia em que ele viria ao mundo. Já tinha sido avisado que ele estava para chegar. E, quarta-feira, dia 10 de junho de 2009, eu recebi um telefonema, logo cedo, do próprio Caio, para que eu fosse buscá-lo no local onde estão nascendo todos os filhos da Coleção Mossoroense, com o patrocínio da Petrobrás. Quando lá cheguei, fui recebido pelo dono da maternidade – também conhecida como gráfica –, o senhor Hélio, que me disse: “assim que vi a cara do pai – estampada na parte de trás do rosto do recém-nascido, como um código – reconheci logo a paternidade. O estilo é inconfundível”. Em seguida, eu o recebi. Estava todo empacotado e, confortavelmente, bem acomodado. Agora, para que eu cumpra todos os trâmites legais para apresentá-lo à sociedade, só me falta marcar a data de sua estréia e anunciar, aos presentes, o seu nome: “Um Olhar sobre o Cotidiano”.

 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 14/06/2009
Reeditado em 06/12/2011
Código do texto: T1648393
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