UMA VELHA NA SACADA.

A VELHA NA SACADA - março de 2009

Pensamento: Há um invólucro que se denomina corpo humano: frágil e limitado. Há uma essência que se chama perfume: independente, porque presente mesmo após perecida a matéria. Sebilca.

Alameda florida, tranqüila, ladeada de muros altos acobertados de folhas verdes, agarradas como se fossem manequins nos quais se colocam roupas belas e chamativas. Em cada muro um portão; em cada portão um convite distinto: portão de madeira, portão de ferro, portão branco, enfim portões enfileirados. Uma forte fragrância natural exalava das pétalas das flores ornamentais do jardim da casa nº 9 da Alameda das Flores. A beleza, entretanto, não era privilégio dessa casa tão somente, porque no jogo da natureza, outras competiam com beleza do mesmo porte. Rosas, cravos, margaridas, jasmins, orquídeas ornamentavam o logradouro. A aparência era de um grande buquê, carinhosamente preparado para ser portado por uma bela noiva, no momento da caminhada em direção ao altar para recebida pelo futuro marido o qual, após o matrimônio, selaria o ato com apaixonado beijo. A casa vizinha estava separada por um alto gradil de ferro, seguro por círculos obtidos na forja de experiente serralheiro artístico. Serviam de base para as lanças apontadas para o céu que somente não era alcançado porque as nuvens algodoadas de uma tarde de primavera sugeriam a existência de defesa natural. A casa nº 9, as lanças e a casa vizinha, de nº 24, mais os espaços de 15m. reservados para cada terreno, eram suficientes para o grande desfile de flores. A casa de nº 24, não menos bela nas suas linhas arquitetônicas voltadas ao início do Século XX, fora construída com bastante recuo da Alameda. A privacidade era mantida porque fora edificado um muro de pedra, de altura mais ou menos 1m., sobre cuja base subiam pesadas barras de ferro, interligadas por outras, cruzadas. Quem da Alameda olhasse além muro, onde foi construída a casa que recebeu o número 24, magnífica residência, que se destacava pelas cores ocre e amarela, com realce de uma sacada, que parecia pendente sobre a varanda de entrada, cuja parede era em forma de meia lua. A sacada pujante exibia pesadas vigas de madeira; cor natural, mantida pela qualidade de bom verniz . Uma exuberante ramagem da planta de nome primavera estava toda florida e permanecia agarrada nos balaustres que sustentavam o parapeito da sacada. Embaraçavam-se as flores dos ramos da primavera aos sutis ramos das avencas penduradas em xaxins, nas paredes laterais da sacada. A beleza do arranjo de elementos da flora eram visíveis por quem caminhasse pela Alameda das Flores. O ambiente natural e aconchegante era belo e desse ambiente vangloriava-se a casa ocre/amarela de número 24. Se por ali passasse um artista da pintura, por certo seria sensibilizado pelo cenário e não deixaria ao acaso a presença de uma senhora idosa, tranquilamente sentada em uma cadeira de balanço, feita de vime e bem envernizada. Cobria-lhe os ombros um belo chale, de tom azul celeste, cuidadosamente revelador de pequenas pedras cintilantes e resplandeciam também pelo prateado dos cabelos bem arrumados daquela senhora. Olhar sem malícia, contemplativo, sereno, porém fixo sobre alguma coisa que, de imediato, não se revelava. O mistério daquele olhar, para ser desvendado, exigia mais do que perspicácia, exigia reflexão profunda. Objetivamente a direção do olhar indicava o jardim lateral da casa de número 24. Em todo jardim, por certo, há flores e flores foram plantadas no jardim em direção ao qual a velha da sacada lançava o puro olhar. Naquele jardim e naquele momento não havia olhar para as flores e sim para uma específica flor: uma viçosa rosa de vivo carmim, aveludada e nobre. Contrastava a beleza da flor a lembrança de que se humilhou o Filho de Deus, ao cobrir-Lhe a fronte com ramos de rosa-de-jerusalém, conhecidos pela dor que causam os agudos e penetrantes espinhos. A rosa do jardim, sobre a qual o olha reflexivo da velha da sacada lançou, balançava com a perfumada brisa. A cena era de música, de beleza e de tristeza, visto que rosa também simboliza segredo. A sabedoria das rosas brancas, que também habitavam o jardim, justificava o silencia delas. Silenciaram-se e permitiram a dança isolada da rosa vermelha, porque, naquele momento, perceberam que os movimentos de dança oriental, na ornamentação de um vermelho vivo atraíra a atenção da velha senhora. – Deixe-a olhar – exclamou uma rosa branca para outra que estava no mesmo galho – Uma rosa é uma rosa, não importa a cor. Por essa razão, ela e somente ela, a rosa carmim, despertara a atenção da velha senhora que tantos anos viveu e que encontrou, no ocaso de sua existência, interesse pela presença da bela rosa. A velha, na sacada, atenta, pensativa, refletia a respeito do poder de sedução de uma flor. Não sabia se era efeito do perfume ou dos movimentos harmônicos do balançar da rosa vermelha. Foram necessários apenas alguns dias para que um pequeno e inexpressivo botão, coberto com roupagem verde musgo, surgissem na ponta de um fino ramo, protegido por muitos espinhos guardiões, sem sofrer ferimentos. A abertura do botão bem lembrava a abertura das grandes portas de um hangar, a fim que de que as asas da nave, lentamente a deixar o interior do galpão, logo estaria vencendo os ares, com força invejável. Assim as pétalas apareceram, não para se lançarem ao mais alto vôo, mas para exalar o perfume e exibir os movimentos de sua dança. Todo esse processo foi observado pela velha na sacada. Naquele momento, tudo entendia. No alto de sua sabedora avaliou a rosa ainda botão, o desabrochar, os movimentos exuberantes e presos na ponta de um ramo, protegida por duros espinhos...e depois, o desaparecimento. A beleza, a fragrância e os movimentos são fugazes. Se se admitir o tempo, como algo verdadeiro e não fruto convencional dos humanos, dir-se-ia que não dura muito a beleza, porquanto, para os humanos, o tempo é implacável. O envelhecimento das folhas a se retorcerem; a queda gradativa das pétalas murchas e sem forças e sem a sedução que, antes, ostentavam. Sem possibilidade de ser mudada a natureza da rosa, chegará seu momento de queda. Refletiu a velha da sacada que, sem forças, murcha, sem cor e retorcida a flor será lançada na terra e ali será transformada em alimento de insetos e adubo para as outras espécies. Convenha-se que a realidade material e algo bem diferente do que a verdade transcendente e conhecida apenas no espírito sábio da velha da sacada. A velha a tudo observa. Aproveitou seu estado de espírito para comparar à vida da rosa vermelha a sua própria. Veio-lhe à lembrança o momento feliz de sua infância: alheia às preocupações dos adultos e encerrada no maravilhoso mundo mágico no qual se mistura a verdade dos homens e a verdade de Deus – e sem que se perceba esse fenômeno. Veio-lhe, em seguida a lembrança de sua adolescência: projeções sobre o futuro, sempre promissor, dado que, no espírito do adolescente não há lugar para maldade inata. Se há adolescente mau é porque a mentira do mundo humano lhe impôs mais esse defeito, sem o qual não seria possível atribuição de culpa a alguém. Lembrou-se, a velha da sacada, da feliz fase da juventude: todas as preocupações, nessa fase, voltaram-se ao belo, ao amor. Frágil e insuficiente período que de nada serviu para a permanência do belo e do amor rapidamente sentidos. Entretanto, para o jovem, a fragrância das perfumadas flores revelavam algo puro e sereno; os sonhos então sonhados permitiam o envolvimento aos momentos que eram desejados, no mundo não verdadeiro, criado pelo egoísmo humano. Imediatamente as fases primeiras foram substituídas por um passe de mágica e, tal qual a seqüência de um filme cinematográfico, projetou-se na tela da lembrança da velha da sacada seu casamento, seus filhos, suas preocupações financeiras, seus momentos de apreensão pelas doenças comuns das crianças, o temor das guerras, as bênçãos feitas aos canhões, aeronaves, navios e homens que partiam para a luta, com a única finalidade de salvar a humanidade matando-a. Quem mais matava mais condecoração recebia. Todas essas verdades passaram na tela da lembrança sábia da velha senhora. A relação que fora formada entre ela e a rosa vermelha, a balançar e a perfumar o ambiente. Fez com que a morte da rosa, na curta existência no jardim, colocasse o dilema da vida e da morte; de quem verdadeiramente somos; de onde viemos e para onde iremos. Não conseguiu obter respostas plausíveis, mas foi sábia em aventar a a possibilidade de separar o espírito de sua matéria, para que, em seguida, pudesse refletir sobre a permanência da fragrância da rosa e de seus belos movimentos de dança, mesmo que já não mais existisse a rosa como flor. Refletiu e concluiu:

- Será que alguém, de alguma sacada da casa espiritual, está a lançar um olhar em minha direção? Não prosseguiu na busca da resposta, porque, nesse exato momento, a campainha do telefone despertou. Naquele momento, a velha da sacada, por hábito de vida, depois de cumpridas todas as tarefas na edificação da família, estava só na amada casa de número 24 e não conseguiu reunir condições físicas para, de imediato, atender a tempo à chamada e, por isso, a campainha do telefone emudeceu. Com esforço, natural da idade, dirigiu até a mesinha em que estava o telefone e sentou-se na cadeira acolchoada e revestida de alegre cetim de cor bege, com floreios esverdeados e dourados, de armação esmaltada na cor branca. Olhava para o velho telefone, bem limpo porém ainda de cor negra, com disco rotativo, em cujos orifícios apareciam os números grandes. Apesar de já ter cessado o som, por hábito, tentou ouvir alguma voz do outro lado da linha sem êxito. Nada. Apenas ruído de linha ocupada. Assentou o telefone no ponto superior da base que ficou seguro por quatro pinos, tendo ao centro um botão que, empurrado para o interior da base, permitia liberação da linha para outra chamada, se fosse o caso. Quem teria discado o número do telefone da velha da sacada. Não lhe acorreu à lembrança possível interesse de alguém para contato sem importância. Sua existência restringia-se à sacada e as flores – e essa conjuntura lhe dava muita satisfação e alegria e estava feliz. Pensou consigo que se houvesse algo urgente para ser comunicado a ela, por certo o telefone seria acionado novamente. De fato, após poucos minutos passados, novamente soou forte a estridente campainha. Imediatamente a velha da sacada, ao lado do telefone, cuidou de tirá-lo da base para atendimento de quem fosse. A parte superior do telefone, de cor negra, mais parecia chifres de um touro negro e essa breve comparação, feita pela velha da sacada, fê-la sorrir. O lado da peça, que serve para ouvir a voz do interlocutor, foi levada ao ouvido que melhor atendia às funções auditivas, mesmo não sendo plena essa função, por causa da idade e da perda auditiva degenerativa. Tão logo ouviu a voz, percebeu que a pessoa, do outro lado, era seu neto, o Toninho. Adolescente, 12 anos de idade e muito apegado à avó. Morava ele com os pais naturais na mesma Alameda das Flores, distante uma quadra apenas. Naquele momento, entretanto, encontrava-se sozinho em casa, visto que a mãe, por absoluta necessidade, estava ausente e o pai, filho da velha da sacada, estava a caminho de casa, vindo do trabalho, distante mais de cem quilômetros. Toninho, tossia assustadoramente e gemia muito. A impressão que criava era de estar engasgado com algo preso na garganta. A bem da verdade não estava engasgado, mas sim deitado em sua cama, com muita febre e tomado de delírios. Suas palavras não encerravam sentido lógico e por esse motivo despertou, na velha da sacada, grande preocupação. Percebeu ela que algo de grave estava a ocorrer com o querido neto. Reuniu todas as forças de que dispunha e mesmo as de que não dispunha, de sorte que, não sabe como, conseguiu se locomover com rapidez em direção à casa do neto. Sentia-se com as forças e disposição de quanto tinha trinta anos de idade, a buscar socorro médico para seus filhos. Lembrou-se do pai do querido netinho e chegou a duvidar se ele, naquele momento, teria a mesma disposição dela. Cansada, ofegante, mas confiante finalmente chegou no local desejado. Com a chave que guardava, para eventual emergência, abriu a porta da casa de seu filho; subiu às pressas a escadaria moderna, com degraus de mármore branco e laterais de ferro trabalhado, pintadas artisticamente no tom ouro velho. Divisou o quarto do neto e ouviu gemidos. Entrou rapidamente no quarto bem decorado, com fotografias de bandas na parede e equipamentos de som e, mesmo à distância, percebeu que o neto estava molhado. Aproximou-se e constatou o intensivo suor e febre alta que podia ser confirmada com simples percepção manual. Entendeu, por sua experiência de vida, a razão das palavras desconexas do neto, ao telefone. O momento de apreensão e de tomada de pronta decisão não atrapalhou a oportunidade de agradecimento a Deus, pelo fato de o neto ter recorrido a ela, no momento em que ele próprio, em delírio febril, não conseguia dominar sua atenção. - Graças a Deus – pensou ela. A primeira providência foi procurar baixar o grau de febre. Imediatamente foi ao banheiro do neto e, no armário, estavam à disposição algumas toalhas de rosto. Foi à geladeira, pegou, às pressas, as formas utilizadas para formação de gelo, tantas quanto estavam à disposição e as colocou em uma bacia que estava próxima. Adicionou um pouco de água da torneira e voltou ao quarto do neto. Aplicou compressas de água gelada no corpo do adolescente querido e aproveitava o momento para, com ternura, beijar sua testa e acariciá-lo com uma das mãos, enquanto a outra empunha a tolha gelada. Após cada beijo, invocava, com fé e sinceridade, a proteção dos benfeitores espirituais que somente a velha da sacada conseguia vê-los espiritualmente, através da fragrância e da beleza das flores de seu jardim. A cada ciclo natural das flores, lá estavam os benfeitores, não sob forma material, mas sim na beleza, memória e energia que ficava. Para a velha da sacada, a fragrância não é a flor, mas um sinal de que existe algo que vai além da forma material. Aquela timidez das rosas brancas era aparente, porque a pureza, o perfume suave e a sabedoria que revelavam quanto da dança da rosa vermelha, antes que timidez era a demonstração, a prova da existência do mundo espiritual. A presença da velha da sacada, a energia que concentrou em benefício da saúde daquele menino que tanto amava e a fé na ajuda espiritual foi o suficiente para tornar desnecessária a presença de um médico. A febre cessou; não se ouvia mais a tosse incômoda e Toninho, o neto amado, sorria feliz; espontaneamente abraçou a avó e a beijou com ternura na face marcada pela rugas dos tempos. Passado o momento de intervenção da avó, chegou seu filho, o pai de Toninho; em seguida, como se tivesse havido um acordo, chegou a mãe. Assustados com a presença da avó, mais temerosos ficaram com a justificativa dada pelo neto e pela avó. Não acreditaram no restabelecimento do filho e, ainda que ele insistisse em dizer que estava bem e que o médico que acompanhou a avó o havia atendido muito bem, os pais não acreditaram na sanidade das afirmações. – Que médico é esse mamãe? - Perguntou à velha da sacada o pai de Toninho. Ela apenas sorriu e respondeu – Não sei!. (mas ela sabia muito bem). O pai do menino pensou que tudo não passava de produto do delírio febril. Os pais insistiram e, após contato com um clínico geral, muito amigo deles, este se prontificou a examinar o fedelho. Uma hora depois, chegou o Dr. Tarso, com sua indispensável maleta de primeiros socorros médicos e o inseparável estetoscópio. Examinou detidamente Toninho. Nada, absolutamente nada foi constatado. Os pais argumentaram, com certa lógica, que febre não surge do nada. Algo teria ocasionado aquela reação. O medico asseverou com convicção e tudo levava a crer que tinha razão. Disse ele aos pais de toninho

– Meus caros amigos chego a duvidar que este menino tenha apresentado algum quadro febril.

– Nada, absolutamente nada, após os exames revelou essa possibilidade.

– Contudo, se vocês preferirem podemos conduzi-lo ao pronto socorro, onde trabalho e realizar alguns exames de laboratórios.

Os pais entenderam prudente a sugestão médica, a fim de que exames pudessem ser feitos. Toninho, de sua parte, resistiu e discordou. Sentia-se muito bem e até estava faminto. Sugeriu aos pais que, em vez de pronto socorro, aceitaria, de bom grado, uma bela pizza e um enfeitado sorvete; melhor uma banana “split’, na pizzaria do Fernandel, próximo à residência em que se encontravam.

O Dr. Tarso, em seguida à manifestação de Toninho, arrematou:

- Não falei. – Que doente teria o apetite desse menino?

- Esqueçam e façam o melhor. – Vamos todos à pizzaria.

Os pais não concordaram e, por ética, o Dr. Tarso conduziu o menino ao pronto socorro. Lá permaneceram algumas horas e todos os exames foram feitos. O resultado foi a total ausência de qualquer indício de mal, ainda que o menor mal. Segundo os resultados clínicos laboratoriais, era impossível não se detectar algo em paciente que, poucos momentos antes dos exames, tivesse passado por estado de febre altíssima... E a velha senhora? Será já se estava recolhida ao leito? Sim, porque enquanto se aguardava a chegado do Dr. Tarso, o filho dela, pai do Toninho, não concordou de modo algum com a permanência dela em sua casa. Para ele seria muito penoso à saúde da mãe e queria poupá-la de maiores esforços. Ela fora mandada por Deus e não era justo que permanecesse ausente de sua casa, que muito amava. Não por maldade, mas por preocupação com a saúde da mãe. Dizia ele que o esforço poderia acarretar algum problema de saúde e não deseja sofrimento para aquela a quem muito amava. Conduziu-a até a casa, próxima de onde estava, recolheu-a ao leito e prometeu voltar no dia seguinte para notícias do neto. A velha não ficou recolhida ao leito. Ela era livre e a noite era bela. O céu estrelado a convidava para a sacada. As flores do jardim exalavam perfume e faziam coro ao convite. O lugar da velha da sacada era a sacada e nada poderia furtá-la dessa alegria. Devagar se levantou; empunhou sua bengala, marcada pela pressão das mãos, e do chale azul com pedras reluzentes. Seu lugar e somente seu estava à espera. Sentou-se na cadeira de vime e fixou o olhar em direção às flores. Não viu a rosa vermelha, bela, pujante, vaidosa e exímia dançarina. Outra, talvez, devesse ocupar seu lugar em cena, porém não naquele momento. Aquele era o momento da rosa branca. Não era uma flor atrevida, orgulhosa e desejosa de mostrar beleza... mas era uma flor. Uma rosa é uma rosa. Na sua tranqüilidade, na sua voz suave, na candura de suas pétalas como a lembrar o manto da mãe de Jesus, transmitiu uma mensagem que somente a senhora da sacada podia ouvir. Mensagem de paz, de amor e de candura. A velha da sacada sabia que aquela rosa também morreria em breve, do mesmo modo como todas morrem. Mas a mensagem e o suave perfume serviram para que se formasse na consciência espiritual da velha senhora a certeza de que a morte é para todos; morrem os belos e morrem os orgulhosos. Mas a tranqüilidade, a paz, o amor e a energia Divina que emana de uma rosa branca, jamais morrerá. Pensou, naquele momento, em sua aconchegante sacada, a velha:

- Senhor Deus Misericordioso, nunca me deixe faltar a certeza da imortalidade que me é revelada por aquela bela rosa branca.

– Paz, tranqüilidade, ausência de medo, de temor no contraste com a esperança de um porvir Divino. - Abriu os olhos e, por acaso, percebeu um pequenino botão, em outra roseira não notada antes. Não houve tempo de reflexão, porque, nesse exato momento, novamente foi acionada a campainha do telefone o qual, por cautela, fora colocado bem mais próximo. Bastou estender as mãos e a velha da sacada conseguiu atender .

– Alô. Vovó!

- Sim. Toninho! Você está bem? E seus pais?

- Calma vovó, está tudo muito bem. Meus pais estão dormindo e resolvi falar com a senhora!

- Fale, querido. O que você quer de mim!

- Eu quero dizer que suas mãos são lindas e maravilhosas e que jamais esquecerei a sensação que tive quando carinhosamente tocaram meu rosto.

- Não me lembra muita coisa, mas recordo de que eu vi, em suas mãos, muitas rosas brancas e parece que as pétalas voavam levando, cada uma, um pedacinho de febre até nada mais ficar!

- E aquele médico, todo de banco com uma rosa no bolso do jaleco?

- Ele estava mesmo lá?

- Será que isso aconteceu, vovó?

- Sim, meu querido. Tudo isso aconteceu e digo mais as pétalas brancas voaram e voltaram para o meu jardim!

- O médico que você viu, em verdade é o jardineiro de Deus.

- Agora mesmo conversei com uma delas que confirmou tudo o que você esta a me falar!

Enquanto a velha da sacada conversava com o netinho, de súbito houve mudança do tempo e anunciara-se rápida precipitação de chuvas. Antes, um vento forte, depois breve chuva. Mas, logo em seguida, a soma inebriante de fragrâncias. Perfume, cheiro de chuva no jardim....tudo isso levou a velha da sacada a retomar ao seu assento e pensar em voz alta:

- A rosa se foi, mas a razão espiritual de sua existência jamais morrerá, tanto que mesmo na ausência cândida das pétala, ainda sinto a fragrância do perfume.

- Obrigado meu bom jardineiro.

- Enquanto eu viver, por favor, não deixe o meu jardim.

aclibes
Enviado por aclibes em 14/06/2009
Código do texto: T1648330
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