Crônica Boba!



Ai! Lá se foram meus pobres óculos! Pobre mesmo custou tão pouco, durou muito tempo. Pensando bem... não foi tão pobre! Durou o tempo de sua vida útil... Ajudando-me a enxergar as letras miúdas das bulas, dos livros... das receitas de bolos e doces...dos livros de poesias antiguíssimas...como ele, leitura na internet!...Os letreiros na rua!

Lá se foi meu óculos. De repente partiu-se o fio que ligava um lado ao outro. Um fio tênue, transparente... frágil como meus olhos...Frágil como um fio de nylon pode ser... Cansou... Disse adeus e partiu...pra lata do lixo. Sem direito a um funeral digno de quem trabalhou tantos anos... Mas chorei!...

Chorei de tristeza ou de raiva por ter que comprar outro? Mas eu não gostava dele? Se gostava então o choro era sincero? Se não gostava por que então eu choro? Será que é porque meu bolso anda meio costurado, não podendo sair um centavo de lá? Ou por que devo esperar mais uma semana, na melhor das hipóteses, para conseguir falar com o oftalmologista...(que até pra falar é complicado...)...do convênio que também é muito, muito bem pago, mas que me atenderá com muito, muito favor, após umas semanas de espera e dores de cabeça, por estar sem meus óculos?...

Sentei-me desolada. De repente, estou lembrando as tarefas realizados por este coitado que acaba de finar-se. De dizer adeus...As leituras que fiz com ele sobre meus olhos, não tem como quantificar... foram muitas. Chorei e me enraiveci ao ler os romances de homens e de sociedades preconceituosas...com poderes de mandar e desmandar, prá não falar em matar...

Chorei de raiva com ele me segurando os olhos ao ler notícias de assassinato em família, os genocídios, as guerras, os infanticídios, de violências domésticas... contra a mulher...da prostituição...das drogas que enriquecem muitos homens importantes. Não tem denominador nos dicionários para estas desgraças da sociedade... Lembrei-me dos votos que me ajudou a colocar na urna...Depois chorou comigo as nossas decepções, as desesperanças. Chorou comigo quando lemos nos jornais a sujidade da política da oba-oba... Das viagens que não pudemos fazer – não tivemos deputado ou senador, que nos desse a passagem para ir à Europa ou mesmo pelo Brasil – já servia e muito...Mas...

Choramos juntos, eu e ele, quando vimos a queda dos aviões... tantos aviões...Tantas mortes de árvores inocentes...A morte de Chico Mendes, meu Deus só porque abraçou a floresta defendendo-as das moto- serras.

Lembrei-me das fotos que tiramos juntos...Depois a ampliação no computador. Emocionados exibíamos as fotos, felizes qual duas crianças!

Lembrei-me da abelha sugando o pólen da flor no jardim, que ficamos um longo tempo tentando fotografá-la, mas ela fugia. Eu tirei o óculos, esfreguei os olhos que doíam, ou ardiam, não sei mais, descansamos um pouco e, voltamos à fitá-la até que conseguimos, tirar a fotografia. Ficamos muito contentes... Com ei para o meu neto,em casa, no hospital e, para minha neta tão danadinha! “São tantas emoções! Como diz Roberto Carlos, né, e eu confirmo e acrescento: E lembranças! Boas e ruins! Alegres e tristes...

As fotos do casamento do filho, do nascimento dos netos, tudo... O óculos, esse óculos também presenciou. Não fazia nada sem ele. Nada.

Ai, tristeza do Jeca – Jeca tinha óculos? – Não sei. Sei que devo fazer uma consulta e providenciar um substituto para ele. Sem choro nem vela. Sem luto...Apenas era um óculos...Um serviçal...Um objeto...sem graça...sem beleza...barato...mas que me foi muito, muito caro, leal... Partiu porque cumpriu o seu ciclo vital....

Ele me deixou à deriva... lendo com muita dificuldade, só com muita luz...O meu amigo fiel despediu-se esta semana de mim...Tentei de todos os modos consertá-lo, segurá-lo junto a mim, sem êxito...suspirou fundo...Suspirei junto e disse adeus...de mãos vazias e tristes...
Como será minha vida com o outro... Vou me acostumar logo com o seu jeito de ser? Com suas lentes novinhas em folha, sem riscos, transparentes e brilhantes?
De qualquer forma a vida continua... E com óculo novo!
MVA
Enviado por MVA em 13/06/2009
Código do texto: T1647762
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