Memória Olfativa

Hoje, enquanto ouvia o barulhinho monótono da lavadora, me veio à memória o penoso trabalho que era lavar as roupas da nossa casa, na época em que eu era adolescente.

Éramos já uma família numerosa e essa tarefa era minha responsabilidade.

Antes de o sol sair, eu e um dos meus irmãos mais novos, meu auxiliar, nos dirigíamos a uma lavanderia pública. Lá, escolhíamos a pedra - um pequeno quadrado de cimento -, mais próxima da caixa d’água. Ali depositávamos as roupas, uma bacia e uma lata grande de zinco e um banquinho. Com os equipamentos a postos, eu sentava no banco e iniciava o serviço.

Meu irmão, amiúde, se dirigia ao depósito para pegar água. A lata, já um tanto esgarçada nas bordas, não poupava suas pernas magricelas e não raro lhe arrancava nacos de carne, feridas que, pela reincidência, demoravam a sarar. Ele descia incontáveis vezes os degraus lodosos e escorregadios do tanque e nem sempre conseguia evitar a queda na água. Claro que havia os mergulhos propositais - nessa hora eu estava ajudando - e nos dávamos ao luxo de um pequeno lazer naquela piscina. Mas, quaisquer que fossem as circunstâncias do banho, se flagrados pelo vigia, era repreensão braba na certa. E havia o risco de uns cascudos de minha mãe, caso ela viesse a saber, já que, por puro azar, o vigia era nosso vizinho.

A roupa era ensaboada à mão, peça por peça. Eram tantas peças. Parecia que tinham-se reproduzido no caminho. E sujas, encardidas. Não se podia trocar de roupa enquanto a que se usava não estivesse suja. Para economizar, claro.

Sabão em pó? Nem pensar. Era um luxo inacessível do qual só ouvíamos falar. Usávamos umas bolas de sabão amarelo que comprávamos na bodega.

Depois de esfregadas, as roupas eram estendidas num quarador de pedra, onde permaneciam por mais ou menos uma hora. Então eram recolhidas e enxaguadas. Em seguida eram espremidas com dificuldade pelas nossas mãos pequenas e colocadas no varal para secar. Depois de secas, eram apanhadas e arrumadas numa trouxa.

Umas quatro ou cinco horas depois, cansados e famintos, voltávamos para casa.

Não era algo agradável de fazer. Mas era a melhor parte, pois em seguida viria a fase de passar a ferro de brasa.

Eram tarefas árduas que nos consumiam tempo. O tempo de estudar, tempo de brincar. Tempo de ser criança...

Navegar era preciso.

Mas se havia algo de que eu gostava e que compensava um pouco o esforço, era do cheirinho agradável, tão peculiar que a roupa limpa exalava e que a minha memória olfativa ainda guarda.