O TRIÂNGULO

O TRIÂNGULO

O marido de Rosa saia todos os dias, no mesmo horário, com o mesmo terno azul-marinho, com a mesma cara de quem é feliz, ele ia trabalhar impunemente, no mesmo emprego de catorze longos anos.

Rosa sua esposa, divinamente linda, tinha a face rosada de aparente paciência, ela o beijava sempre na testa, dava-lhe a última ajeitada na gravata violeta e o deixava ir.

Enquanto Astolfo, o marido de Rosa, trabalhava arduamente e irritantemente alegre, sua esposa Rosa fazia como toda boa dona de casa, preparava um bom e reforçado almoço para seu perfeito marido. Fazia também de maneira perfeccionista todos os trabalhos domésticos. Era ela uma excelente esposa.

Os anos se passam arrebatadores, e a inveja alheia consumia esse casal, porém inabalados com olhares certeiros, continuavam na sua rotina de felicidades.

Certo dia, se muda ao lado da casa de Rosa e Astolfo um jovem e bem educado rapaz, seu nome era Murilo. Murilo era bestialmente bonito, além de sua beleza estupenda o rapaz tinha vigor jovial (vigor que Astolfo já não tinha), e outras qualidades que Rosa ainda desconhecia.

Murilo sem saber tinha despertado em Rosa um interesse estranho que ela não tinha sentido nem por Astolfo. Rosa corava toda vez que se pegava olhando diferente para Murilo, se penitenciava por isso, pois sabia que estava errada, mas os pensamentos que ela tinha, eram mais fortes do que ela, devota fervorosa de Santo Expedito, rezava e pedia para o santo tirar de sua cabeça pensamentos tão impuros e indecentes.

Rosa olhava tanto e tão profundamente para Murilo, que não demorou e ele percebeu.

Como já era de costume, todas as quartas-feiras de todos os anos de seu casamento, Astolfo passava metade da noite fora de casa. Era um marido perfeito demais para pensar em trair Rosa, o que ele gostava de fazer era beber e curtir serestas intermináveis, mas Astolfo tinha um vício, o jogo. Podia ser qualquer tipo de jogo, baralho, bicho, bilhar. Astolfo sempre perdia muito dinheiro com o jogo, Rosa sem saber de nada é claro. Nas últimas semanas Rosa vinha percebendo que seu marido andava muito desanimado e cabisbaixo, tinha perdido quase tudo no jogo, e nem em sua hora sagrada do amor ele conseguia esquecer suas dívidas.

- O que anda acontecendo com você querido? Não me ama mais, enjoou de mim?

- É claro que não Rosa, eu só... estou meio indisposto.

- Você vem dizendo isso a mais de duas semanas, indisposição de duas semanas não é normal, você concorda? - disse ela irônica e sutil. – indisposição que eu saiba dura no máximo uma noite e não quinze.

Sentindo agora na pele o desprezo de sua amada, Astolfo se sentiu o pior dos homens.

Durante mais algumas semanas Astolfo não aguentava mais o peso e a cobrança de seus credores, e Rosa insatisfeita não parava de pensar em Murilo, agora sem muita culpa e com menos reza, e com mais fogo.

Numa dessas inevitáveis quartas-feiras, chovia um verdadeiro dilúvio. Astolfo já sem carro, porque tinha perdido no jogo, acabou se atrasando mais do que nos outros dias. Murilo lia um livro apenas com a luz das velas que sempre tinha em casa. A janela da casa de Murilo ficava frente a frente com a da casa de Rosa. Rosa o olhava atentamente e os pensamentos vinham cada vez mais alucinantes e mais e mais fogosos.

Decidiu então Rosa ir até à casa de Murilo, chegando na sua porta bateu três vezes, Murilo abriu e reconheceu aquele face rosada e molhada de chuva.

- Por favor, entre, e essa chuva... Antes que ele terminasse a frase ela agradeceu.

- Muito obrigada!

- Em que posso ajudar a senhora?

- Por favor, assim eu me sinto uma velha, me chamo Rosa.

- Me desculpe, é a força do hábito. Mas então em que posso ajudar Rosa?

A voz daquele rapaz arrepiava Rosa dos pés a cabeça, era como um beijo em sua nuca. Ela olhou as velas acesas e não titubeou:

- Pode me emprestar um maço de velas? – pediu num sorriso cordial e sedutor, nem ela sabia que tinha todo esse poder.

- Claro. – Disse também sorrindo e foi buscar as velas.

Rosa percebendo agora que estava pela primeira vez na companhia de outro homem, por um momento se arrependeu, mas só por um momento. Aquele rapaz despertava em Rosa um desejo incontrolável, mas ela se continha com verdadeiro heroísmo. Quando Rosa foi deixando a casa de Murilo perdeu completamente a lucidez e num devaneio momentâneo deu um beijo mais do que ardente em Murilo. Sem entender muita coisa o rapaz retribuiu igualmente o beijo.

Passada a chuva, Astolfo chegou em casa todo arrebentado, com a cara que parecia até um pão amassado, com roxos enormes e ensanguentada. É claro que Rosa se preocupou muito com e estado deplorável de marido, mas o beijo que deu em Murilo teve, inevitavelmente, mais importância naquele dia.

No mês que se seguia, todas as quartas-feiras Rosa passava a noite nos braços de Murilo, se entregou profundamente e tão intensamente que fazia coisas que nunca fez com Astolfo. Murilo por sua vez sentia que estava sendo um canalha, fazendo aquele tipo de coisas com a mulher de seu vizinho, e não gostava de sentir aquela sensação, de se sentir um canalha. Astolfo não percebia que cada quarta-feira fora de casa, era como um ano de ternura perdida.

Rosa já não tinha metade da metade do amor que um dia teve por Astolfo, e a cada quarta-feira seu amor por Murilo aumentava assim como seu desejo.

Astolfo começa tardiamente a desconfiar da indiferença de Rosa. Num bar com um dos poucos amigos desabafava:

- Por enquanto é só uma desconfiança, mas se um dia for certeza eu mato a Rosa, eu mato a Rosa.

- Astolfo, Rosa é uma santa, jamais faria esse tipo de coisa.

- Meu amigo, Rosa já não é mais a mesma. Ultimamente anda até deixando o arroz queimar, já não se perfuma e nem me pergunta como foi meu dia. – disse Astolfo com lágrimas nos olhos. – Veja você que na última quarta-feira quando cheguei, ela não estava em casa e quando chegou me assustei com seu sorriso de satisfação, ela me disse que tinha passado uma noite muito agradável com a mãe, logo com a mãe que ela sempre detestou?

- Talvez ela tenha feito as pazes com a mãe ora. Relaxe Astolfo não há de ser nada.

Astolfo mesmo devendo, e mesmo depois dos conselhos de seu amigo decide comprar uma arma.

Numa dessas famosas quartas-feiras Rosa não apareceu no horário de sempre e Murilo decide sair para espairecer um pouco, pensar sobre suas atitudes de canalha dos últimos meses. Rosa não sabia, mas Murilo se arrependia do que estava fazendo com seu vizinho. Não se arrependia de ter Rosa nos braços, mas pensava sozinho como Astolfo se sentiria quando descobrisse o caso de deles. Murilo foi a um bar muito freqüentado por jogadores de roletas e por coincidência encontrou Astolfo por lá. Murilo sentou-se perto de Astolfo e percebeu que este tinha perdido o que restava, Astolfo chorava de soluçar e embriagado chamava o nome da esposa:

- Já perdi tudo Roberto, não quero perder a Rosa, é única coisa de valor que eu tenho na vida, nem filhos nós temos. Por favor Roberto não deixe Rosa me abandonar.

Murilo sentiu, nesse momento, um remorso insano, voltou para casa e encontrou Rosa esperando na porta de sua casa. Rosa percebeu sua tristeza e quis animá-lo:

- Querido tenho algumas notícias pra te dar. – Murilo se manteve em silêncio enquanto ela falava. – Estou grávida e vou me separar de Astolfo.

Murilo se manteve em silêncio por alguns segundos, e finalmente disse:

- Espere aqui, vou ao meu quarto e já volto.

Dez minutos depois ouviu-se um estampido vindo do quarto, Rosa correu para o quarto e leu um bilhete que ele deixou na cabeceira da cama.

“Morro porque não aguentaria que fizesse comigo o que faz com Astolfo”.

Renann Calazans
Enviado por Renann Calazans em 13/06/2009
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