Desconstruindo
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Maria que ouviu de Joaquina que ouviu de Bernadete que ouviu de Serafina que ouviu de Madalena que ouviu de outra antepassada, não mais identificável, um discurso mascarado, repleto de apelos sociais que manipulam ações e reações femininas fora da cama.
Ouviram todas, em uníssono, que somos fortuitos e inconstantes; que amamos a vida apenas por instantes e que o amar uma mulher se desfaz logo após a cópula. Ouviram todas, em uníssono, que somos canibais, movidos apenas por atitudes carnais que se refletem na alegoria que compomos, entre amigos, relatando todos os gemidos delas, todos os ais.
Madalena não era amiga de Serafina. Conheceram-se por acaso numa festa inquietante onde o som da música, no alto-falante, impedia o refletir da consciência reprimida e limitada pelas ondas de cada vibração – eram vibrações alucinantes com reflexos irritantes que se findariam numa cama, na mesma cama dos gemidos repartidos agora numa mesa de bar.
Serafina era mãe de Bernadete. Aconselhava sempre a filha: ‘Não caia em qualquer flerte!’. Ser caçada, entretanto, na visão de Maria, era mais que ser um prato diante da freguesia. Era sentir-se entregue, corpo e alma, revelando-se e se despindo toda.
Joaquina tinha o seu João. Bernadete o seu José. Serafina era de Pedro e Madalena de outra mulher. Todas mulheres. Todas amadas. Todas felizes!
Hoje, depois de tantos aconselhamentos, Madalena, Serafina, Bernadete e Maria já não existem mais. Joaquina e João deixaram Mateus. Bernadete e José deixaram Augusto. Serafina e Pedro nos deixaram o lindo Lucas e Madalena não quis engravidar.
Mateus é de Priscila. Augusto é de Dasdores. Lucas é de Amanda. De Madalena nada mais se pode falar.
Mateus, Augusto e Lucas nunca se conheceram. Estavam todos ilhados feito agulha num palheiro. Mesmo assim, pela força da construção, serviram como pano de fundo da descendência refletida na escuridão.
Os filhos de Mateus e Lucas estão hoje na mesma escola. Ouvem as mesmas palestras, escutam as mesmas histórias... Numa das recentes avaliações tiveram como tema ‘O valor da construção’. Mateus era homem das exatas e lembrou-se de uma edificação; Lucas era artista e lembrou-se de uma composição. Expuseram seus argumentos num papel que tudo aceita. O professor, um filósofo, esbarrou logo na entrada do prédio de Mateus, mas se maravilhou com a viagem imaterial da composição metafísica de Lucas.
Dia da entrega das avaliações. Diz o professor:
– Lucas?
– Sim, professor!
– Dez!
– Mateus?
– Sim, professor!
– Dez!
Hoje, neste instante, realiza-se o aniversário do neto de Lucas, um engenheiro que adora a arte das artes: a vida!
Nijair Araújo Pinto
Juazeiro do Norte-CE, 12 de junho de 2009.
11h24min
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