ANJO DE SETEMBRO

A VIDA E A MORTE SÃO ETERNIDADES QUE SE COMPLETAM

Naquela noite de 21 de setembro não dormimos em casa.

Tudo parecia muito distante, muito complicado. Era como se o sentido da vida desfalecesse e tivesse sido sepultado junto com nossa filha. Olhávamos para os lados e nada parecia real. As cores não combinavam. O verde havia perdido sua tonalidade. O laranja, uma das cores que ela mais gostava, entre tantas outras, parecia inocular-se. As coisas pareciam convergir para o distante, para o infinito. Tudo estava fora do nosso alcance. Olhávamos e não víamos. Queríamos ouvir, e todos os sons, pareciam ruídos longínquos, indecifráveis.

A noite caía lentamente, como uma lamparina que aos poucos perdia sua luz. A lassidão tomava o corpo, que entregava-se ao cansaço, como um escravo exaurido de suas forças, capturado em sua fuga. Sem coragem, não voltamos para casa. Pela primeira vez, após treze anos de casados, dormíamos na casa de minha sogra. Pensamentos mil vagueavam em minha mente. Por um instante tive medo. Medo da noite, da escuridão, do silêncio. Medo de enfrentar a casa vazia. De abrir a porta e não vê-la brincar. De não ouvir sua voz. De não mais olhar em seus olhos e pela falta de luz, perder a paz. “- Como será agora, sem você?” Perguntava-me. “- E quando chegar em casa, abrir o portão, quem sairá correndo pela varanda, ao meu encontro, para dar-me o nosso abraço preferido?”

Meu coração era pura incerteza. Novamente tive medo! Medo de entregar-me ao vazio, medo da solidão. Medo do sono, que aos poucos fazia tombar meus olhos, que relutantes queriam manter-se atentos. Uma luta desumana, que por fim, após horas de batalha, derrotou-me e fez-me adormecer profundamente. Na medida em que adormecia, instantaneamente sonhava. O meu corpo parecia levitar. Partindo da escuridão em direção ao sol, voava. Descortinava-se à minha frente um verde jamais visto. Cores fortes. Um arco-íris cortava o céu, impressionantemente azul; como se fosse possível aquela pintura suspensa no ar. Inacreditável mistura de cores e vida. Aos poucos, tudo parecia tão real que era possível sentir meus pensamentos: “- E agora filha? Como farei para vê-la, para sentir sua presença, estar contigo?”

Novamente descortinou-se o verde. Uma floresta imensa, cercada de flores. Ao meio, um enorme gramado estendia-se até os limites dos olhos. Sentado, observava um silêncio eterno que me tomava por inteiro. Podia-se sentir o desabrochar de uma flor e o seu perfume. Eis então que me veio a resposta: um veio d’água rompeu o chão. Cristalina, a água espalhou-se cobrindo toda a relva até alcançar os confins da mata. O vento soprou brandamente na direção em que a água escorria. Pacientemente eu olhava. Em meu coração, ouvia-se um sopro de vida: “- Eu sou como a água límpida que jorra. Se queres sentir-me, ama! Se queres ver-me, ama! Toda vez que amardes, estarei contigo. Eu sou amor. O amor é como a água pura que jorra; transcende o leito e inunda todas as coisas. Nem o mais escuro vale, nem a mais elevada montanha escapará a esta inundação. Por ele, o amor, até mesmo a morte se fará vencida.”

No outro dia voltamos para casa.

Abri o portão e o silêncio foi quebrado pelo canto dos pássaros.

Era primavera!

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