E SE CHAPEUZINHO VERMELHO FOSSE LOUCA? (Crônica Rápida)
Pediram-me pra fazer uma crônica rápida. Dessas com início, meio e fim. Sem muito rodeio, direto ao ponto. Disse logo ser quase impossível, temendo um resultado desastroso.
Só me amarrando as mãos ou retirando do teclado algumas letras de uso imprescindível, tais como o “R”, o “Q”, o “S” ou algumas vogais. Mesmo assim sou capaz de sair inventando palavras até conseguir um resultado satisfatório. Falar pouco pode ser comigo, mas escrever pouco certamente não o é.
Já imaginou a história de Chapeuzinho Vermelho contada em poucas palavras?
Uma menininha caminha pela floresta levando uma cestinha de doces pra sua avó. Ao entrar em casa estranha a presença do lobo na cama da vovozinha. Logo conclui que o bicho lhe comeu. Procura um caçador pra matar o animal e tira a avó de dentro dele sã e salva. Fim!
Isso não se faz. O conto perderia toda a magia e encantamento. Se eu fosse criança me revoltaria e queimaria o livreto com Chapeuzinho, a vovó, o lobo e o caçador, tudo dentro. Seria processado pelo IBAMA por não salvar nem a floresta, pra ser franco.
Toda literatura, seja ela qual for, tem que ter seu encanto e pra tal não se deve economizar nas palavras.
Vejamos se eu fosse reescrever este conto com uma visão mais realista e sem perder a graça nem a magia que ele tem como ficaria:
Numa linda manhã de primavera uma pequena menina de nome Chapeuzinho Vermelho caminha pela floresta rumo à casa de sua avó. Além da irresponsabilidade dos pais, que sabendo do seu alto grau de miopia e a utilizando pra fazer trabalho escravo já que a coitada levava consigo uma pesada cesta de doces, a deixaram atravessar, sozinha, uma floresta cheia de perigos.
- Vou passear na floreta enquanto seu lobo não vem... Cantarolava alegremente a menina enquanto andava pelo meio da mata carregando aquela cesta pesada de guloseimas.
Prevendo a chegada da netinha, como toda segunda-feira ela sempre vinha, a vovozinha que, na história não tinha nome e era acometida por uma diabetes, tratou de vestir suas roupas num velho lobo guará que ela criava em casa e era manso feito um cão doméstico. Fez isto pra enganar a netinha, já que não podia comer doces, e andava desconfiada que a mãe da menina fazia essas delícias da culinária com intenção de matá-la e ficar com sua gorda aposentadoria do INSS.
Chapeuzinho não enxergava bem. Entregaria os doces ao lobo, ele comeria, salvaria a avó e tudo estaria bem. O que se conta e o que se esconde desta história ainda é um mistério a ser revelado.
Eis que o tal lobo além de dócil era pedófilo. Quando a menina lhe fez aquelas perguntas clássicas que todos nós já sabemos: “Pra que esses olhos tão grandes? Pra que esse nariz tão grande? E essa boca tão grande, pra que?” O infeliz se retorcia de prazer por baixo do cobertor onde estava enrolado.
O som da voz da menina o deixava louco de satisfação. O safado só pensava em comer primeiro a menina e depois os doces.
Não sei como, só se existia na época uma fonoaudióloga extremamente competente, mas o fato é que o lobo falava. Nessa de responder às perguntas da menina ele se deu mal. Chapeuzinho, como eu já disse, era míope, conhecia a avó mais pela voz do que pela visão, desconfiou daquela cena armada pra ela. Passou a mão no rosto da suposta velhinha e quando sentiu pelo demais pra um rosto só, descobriu a farsa.
Saiu correndo atrás de um vizinho carpinteiro que, nas horas vagas, principalmente durante a noite, cassava veados. Achando o homem, pediu-lhe pra ir até a casa de sua avó matar um lobo que tinha comido a coitada e estava deitado em sua cama ainda com a barriga cheia fazendo a digestão.
- Vamos logo moço o senhor mata ele, abre a barriga dele e tira minha avozinha de lá, dizia a menina com esperança de encontrar a velhinha viva.
Sobrou pro lobo, é claro! A avó tinha ido ao supermercado comprar frutas, legumes além de alguns produtos dietéticos, deixando propositadamente o peludo em seu lugar. Ao chegar em casa viu a bagaceira feita. O lobo morto com as tripas de fora, o caçador com ar de felicidade por ter matado o animal e a menina louca e mimada com as mãos por dentro das entranhas do bicho procurando pela avó.
Vendo, em termos, a avó viva a menina abraçou-lhe e começou a chorar de felicidade. O caçador também não se conteve e deixou cair algumas lágrimas de seus olhos acostumados com as durezas da vida. Todos viveram felizes para sempre, menos o coitado do lobo mau.
Qualquer criança de hoje acostumada com os órgãos de defesa dos animais e do meio ambiente, ia logo perguntar se o caçador tinha sido preso ou processado. Como a história é tida como um conto de fadas acho que até elas estariam presas também.
Tudo tem sua lógica e pra ser bem explicada é necessário haver um certo gasto de palavras escritas. Não gosto de economizá-las e por vezes acabo exagerando na dose.
Um “Eu te amo” compõe uma simples e bela poesia, mas apenas um “Viveram felizes para sempre” não dá a dimensão completa de uma história. Se querem que eu escreva menos confesso ser praticamente impossível.