O dia em que o delegado de Itabaiana prendeu Lampião
Esse caso aconteceu no final dos anos setenta na cidade de Itabaiana. O Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana - GETI - foi convidado para fazer uma apresentação da peça "A Peleja de Lampião com o Capeta", de minha autoria, o primeiro espetáculo montado pelo Grupo. Comemorava-se o Dia do Folclore no Colégio Antonio Batista Santiago. Nesse evento, um burocrata de João Pessoa iniciou discurso elogiando os governantes pelo "interesse em investir na cultura". Foi quando Pedro Lourenço, já meio "chumbado", contestou o puxa-saco, afirmando em alto e bom som que o governo, além de não ajudar, ainda perseguia os artistas. Foi um mal estar geral. A peça, que seria a atração principal do programa, foi suspensa. Lourenço e o restante do pessoal acharam por bem cair fora, já que ameaçados de prisão por "desrespeito às autoridades".
No dia seguinte, na qualidade de diretor e autor da peça, fui chamado à delegacia e interrogado pelo delegado (cujo nome não lembro). Afirmei que o mal entendido não se constituía em nenhum desrespeito, falei em liberdade de expressão e outros argumentos que não convenceram o milico. Para agradar aos donos do poder, o delegado resolveu se arvorar em censor e proibiu a encenação da "Peleja".
- A peça foi liberada pela Censura Federal. Por que não pode se apresentar em Itabaiana? - tentei argumentar. E a "autoridade":
- Isso é problema meu. Teatro é negócio de comunista, e você vai ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional.
- Tudo bem, então o senhor me redige um documento, oficializando a proibição.
O delegado escreveu, de próprio punho, a seguinte pérola:
"A apresentação está proibida de se apresentar. Assinado: Sargento Fulano de Tal".
Ao sair, fui advertido:
- O senhor já está avisado: se houver a apresentação, o senhor será o primeiro a ser preso.
Fui ao colégio e, diante do público, li o "comunicado" que serviu de deboche geral. Não fizemos a encenação, e foi por essa e outras que cultivei alguns inimigos gratuitos em Itabaiana, em nome do que a gente chamava "resistência democrática".
Hoje, o GETI comemora trinta e três anos de existência, remontando a "Peleja", lembrando a experiência difícil, mas gratificante de produzir cultura no interior da Paraíba.
"A Peleja de Lampião com o Capeta" realizou mais de 50 apresentações na Paraíba e estados vizinhos, cujo texto também foi montado pelo grupo oficial da Federação Paraibana de Teatro Amador, sob a direção de Marcos Veloso, o mesmo artista itabaianense que dirige o espetáculo agora. O espetáculo também foi montado na Bahia por um grupo teatral de lá.
A peça, baseada na literatura de cordel, arma o conflito para a mensagem ideológica final:
"Lutaria mais ainda, mesmo que perdesse o céu,
Para que não mais houvesse nem patrão nem coronel".
Esse espetáculo serviu para o GETI afirmar sua proposta de fazer um teatro popular e conscientizador em plena ditadura militar, o que nos valeu algumas perseguições. Trinta e tantos anos depois, o Brasil pouco mudou na sua feição social, e voltamos com o Lampião esculhambando a burocracia e o mandonismo do "inferno" nordestino, na missão de quebrar um pouco os padrões estéticos importados via televisão e outros canais alienantes, através da linguagem imorredoura do teatro.