Fim do expediente? - uma crônica de humor sobre profissões
“Querida, cheguei!”.Nada melhor do que repetir o bordão do *Dino da Silva Sauro numa sexta-feira, após uma semana inteirinha de trabalho.A “querida” pode ser a esposa, a casa, a cadela, a televisão de 42’ recém adquirida, a galera do happy-hour... Não importa! Sexta-feira é, para a maioria dos brasileiros, o dia mais desejado da semana! Antecede dois dias para não pensar em trabalho.Ou não?
Cacau, minha amiga psicóloga, entrou num Drive Thru num sábado para comprar um lanche.Fez o pagamento e na hora de retirar a compra, a atendente era, ninguém mais, ninguém menos, que uma antiga paciente desaparecida há meses de seu consultório:
-Ai, doutora, que bom que a senhora está aqui.Sabe o que é? Tive tantos problemas que...
A deprimida não entregava o sanduíche à psicóloga e tampouco parava de choramingar! Os motoristas enfileirados em seus carros, inconformados com a demora, começaram a buzinar. A “consulta forçada” só encerrou-se quando minha amiga tirou sua paciente do transe com um grito!
Professores sofrem também com essa “hora extra surpresa”. Quem é educador, tem Orkut e alunos adicionados ao seu perfil, já teve o desprazer de receber scraps do tipo: “quanto eu tirei na prova?”. Ah, alunos universitários são os que mais fazem isso, viu?Meu amigo Samuel, que leciona na Universidade Federal da Bahia, que o diga.
Soube de uma mãe de aluno que foi à casa de uma professora num domingo de manhã:
-Oi, professora! A senhora podia me adiantar o assunto da reunião de pais? É que amanhã não vai dá “pra mim ir na escola!” porque eu trabalho! – disse a mulher no portão da casa da mestra.
- Pois é. Você trabalha às segundas e eu não trabalho aos finais de semana!
Estava minha amiga Soraia num barzinho.Papo vai, papo vem, o paquera soube que ela era formada em Psicologia (sim, leitor, tenho vários amigos psicólogos, a começar pelo meu marido).Bastou.O cara-de-pau quis aproveitar para se “tratar na faixa”:
-À noite o horário da consulta é em dobro – ironizou ela.
O flerte não vingou, mas ela aproveitou o restante da noite para se divertir, não para trabalhar.
Certa vez, li numa crônica de Marcos Rey que ele estava interessado numa bela moça.Marcaram um encontro. Quando a garota entrou no carro dele, ela entregou-lhe praticamente uma resma: era o livro dela.Ruim, muito mal escrito.E ele ficou lendo uma dezena de parágrafos, enquanto ela se queixava de que nenhuma editora havia dado crédito para uma obra tão boa.
Assim como Soraia, o cronista resolveu abrir mão da “paixão” em nome de sua saúde mental.Foi demais para ele!
Ciladas também ocorrem com advogados.De repente, o profissional se vê ao lado da senhorinha de idade, amiga da mãe dele, atolado de perguntas sobre inventário da família.Não adianta dizer que não é área dele (ou que ele já estava de saída):
-Filho, ajuda ela , coitada! – diz a mãe olhando com cara de piedade para o filho formado em Direito.
Os médicos não devem fugir a essa regra também.E voltando a falar de Orkut, soube de “pacientes” que entram em comunidades voltadas a especialistas só para pedirem diagnósticos via internete.Haja paciência:
- Doutor, você acha que eu preciso tomar o remédio para pressão alta todos os dias mesmo sentindo que a pressão está baixa?
Há certas perguntas ou declarações irritam qualquer profissional.Sejam elas feitas num fim de semana ou não:
- Tá chorando por quê? Você não é psicóloga?
- Você faz alguma coisa além de dar aula?
- Onde você fez o curso de advocacia?
- Você tá doente? Mas você não é médico?
- Engenheiro e arquiteto são tudo a mesma coisa!
Para o trabalho que gostamos levantamo-nos cedo e fazemo-lo com alegria. Mas folgar é preciso, porque ninguém é de ferro.
Segundo Goethe, escrever é um ócio muito trabalhoso.Sendo assim, termino por aqui. E que Deus permita que meu final de semana seja tranquilo.E se alguém vier me aborrecer com coisas de trabalho nesses dois dias, eu viro bicho: um tironossauro rex!
(Maria Fernandes Shu – 10 de junho de 2009)
* Dino da Silva Sauro: personagem da extinta série de TV “ Família Dinossauro” que exclamava o bordão "Querida, cheguei", para a sua esposa depois de um dia de trabalho.