Um tributo aos impostos
O sócio é voraz.
É o que posso concluir do pouco que aprendi sobre questões tributárias ao longo de aventuras e desventuras corporativas.
Embora não seja do ramo da gastronomia, o tal acionista majoritário universal é definitivamente muito arraigado a receitas.
Ironicamente conhecido como “governo”, seja este federal, estadual, municipal ou de qualquer nova modalidade que porventura tenha sido criada para fins de arrecadação, é um sócio com uma característica peculiar: O descarado divide apenas os lucros, nunca os prejuízos.
Assim, em tempos que até IPI já virou assunto de bar, convém traçar algumas linhas a respeito desta assombração nacional, vulgarmente chamada de “imposto”.
Mas impostos, taxas, contribuições e pragas do tipo são males universais que remontam tempos antigos e jamais foram exclusividades de terras tupiniquins, poder-se-ia argumentar.
Sim, há de se concordar.
Todavia desafio os prezados leitores (e nobilíssimas leitoras, na medida do possível) a descobrirem mundo afora algum sistema tributário mais criativo que este nosso. Suponho que muito provavelmente não haja nada comparável às nossas esquizofrenias tributárias, ao menos por essas bandas da via láctea.
Façamos um teste.
Moderando a nostalgia sob níveis saudáveis, tente regressar à mente os velhos ares de tempos de escola, contenha as lágrimas, e resolva o seguinte probleminha matemático:
Joãozinho, maravilhado com as benesses do mundo virtual, decidiu comprar um telefone celular azul, com câmera de vídeo paranóica, teclado impermeável, conexões estratosféricas, memória proboscídea e processador paradigmático. Procurou no mercado livre, mas só achou o modelo verde por estonteantes mil reais (mas com frete grátis).
Felizmente Joãozinho achou o modelo azul que queria no e-bay, a módicos duzentos dólares debitados direto no cartão.
Como Joãozinho nunca acreditou em almoço grátis e dificilmente seria levado por onda caso tivesse vindo ao mundo camarão, na mesma hora percebeu que naquele mato tinha coelho.
Malandro que só ele, entrou nos sites da Receita Federal, dos Correios, da DHL, da Fedex, da Fudex (esse foi com segundas intenções) e até do Inri Cristo, para, por fim, descobrir que pagaria 200 dólares pelo telefone, mais 60% de imposto de importação, 18% de ICMS, e ainda gastaria 100 dólares com frete internacional.
Considerando os dados acima e uma cotação do dólar a dois reais, calcule o custo final de Joãozinho ao adquirir um telefone azul.
Caso você tenha feito como Joãozinho, e calculado 78% (60%+18%) de 200 dólares como impostos (que resultariam em 156 dólares), somado isso aos 200 dólares do telefone e aos 100 dólares de frete para ao fim converter tudo em reais multiplicando por dois, deve, caso tenha usado calculadora ou pedido ajuda ao seu marido, ter chegado a um resultado final de 912 reais, e, portanto, inocentemente ter concluído que Joãozinho faria bom negócio ao pagar menos de mil reais pelo modelo azul importado, que tanto queria.
Porém foi da pior forma possível que Joãozinho percebeu que havia errado na conta: Recebendo outra conta, como já se deve imaginar, alta demais.
Segundo o boleto, a estimativa de Joãozinho deveria ter resultado em 1210,73 reais, um montante cerca de um terço mais alto do que seus inocentes 912 reais.
Qual é o truque? Perguntaria alguma leitora desavisada.
Criatividade, imaginação e boa dose de cara-de-pau, seria a resposta mais plausível.
Joãozinho deveria saber que na base de cálculo do imposto de importação entra também o valor de frete (60% de 300 dólares já são 180 dólares), e que isso é apenas o começo de um processo ainda mais confuso.
Afinal, o ICMS é um imposto muito mais maroto que o inocente imposto de importação, ou que o popular IPI.
No caso das importações, ao menos aqui na terra das araucárias (o ICMS é um tributo estadual), o ICMS tem uma pseudo-alíquota de 18% cheia de artimanhas, traquinagens e malandrices: Sua base de cálculo engloba o valor do produto, mais o valor de frete, mais o valor do imposto de importação (isso mesmo, imposto sobre imposto, eufemisticamente conhecido por “imposto em cascata”) e pasmem: O valor do próprio ICMS.
Essa bizarrice em particular é conhecida pelo pessoal de ciências contábeis como “imposto por dentro”. Não sei sobre a origem etimológica da expressão, mas desconfio por dentro de onde deva ser (ICMS no dos outros é refresco).
Tanto os “impostos em cascata” quanto os “impostos por dentro” são constantemente criticados e considerados inconstitucionais por inúmeros juristas, tributaristas e palpiteiros de plantão. Mas se chiar resolvesse, sal de fruta não morria afogado. Reclama-se, reclama-se e fica por isso mesmo.
No frigir dos ovos, continuamos pagando impostos sobre impostos, ninguém mata o presidente, e, como não poderia deixar de ser, fica tudo na devida e rotineira desordem natural das coisas.
E convenhamos: Não é necessário ser grande gênio para imaginar a confusão que estes “eufemismos tributários” causam aos empreendedores de primeira viagem e aos investidores estrangeiros. Afinal os mesmos invariavelmente farão estimativas de desembolso completamente furadas, e, por conseguinte, terão prejuízos.
A pior parte da história é que não há como entender o motivo destes artifícios grotescos...
De repente seria apenas um subterfúgio para baixar a posição do Brasil no ranking dos países com “maior carga tributária do mundo”, muito embora acredite que esta conta seja feita através do volume de arrecadação, que não mudaria em nada por mais loucos que sejam os cálculos dos tributos a arrecadar. E, de qualquer forma, o que é um pequeno flato pra quem já está borrado?
Poderia ser, então, pelo medo duma grande revolta popular caso todos descobrissem as verdadeiras alíquotas cobradas nas entrelinhas dos boletos? Pensando bem, a população em geral não sabe nem fazer regra de três, quem dirá fazer análises tributárias críticas sobre a atual conjuntura... O povo trabalha de segunda a sábado e domingo assiste Faustão. Às armas? Não me faça rir.
Assim, sem mais o que imaginar, concluo que o motivo seja simplesmente a famigerada institucionalização pública do estelionato, que já foi crime, mas hoje conta com o título de orgulho nacional.
Não é mais pela vantagem financeira, é pelo simples prazer de se levar vantagem.
Em suma, o de praxe: É só de sacanagem.