Axé! Por que axé?
(Joanina)
Pelo menos até agora, o meu são-joão será em Salvador. Um são-joão no asfalto e entre os arranha-céus que me circundam e me sufocam, sem dó nem piedade.
E mais: de repente, na noite do Batista, desaba uma daquelas traiçoeiras frentes-frias e aí, amigo, a vaca irá inapelavelmente pro brejo.
Nuvens pesadas e inclementes esconderão o resto de céu que ainda consigo ver da minha janela, deixando-me sem estrelas. E com as estrelas apagadas, a noite de São João perde boa parte de sua graça.
Basta que o tal do progresso já roubou os meus alegres e coloridos balões.
Hoje, pelo céu joanino só navegam balões teimosos; balões rebeldes.
Mas sou capaz de jurar, que nenhum deles leva, no seu incandescente interior, bilhetinhos de amor, como acontecia com os balões de antanho.
*** *** ***
Vou dizer uma coisa que imagino ninguém, até hoje, tenha dito: são-joão gostoso mesmo é o são-joão na roça.
E quando o inverno é bom, a festa do Precursor é melhor, é o que se diz no sertão.
Vejam bem: eu disse inverno. Muito diferente do desastre pluviométrico que, este ano, atingiu o nordeste, acabando com tudo.
*** *** ***
Minhas melhores noites de São João brinquei-as no alto sertão cearense, comendo canjica, bebendo licor de jenipapo, pulando fogueiras e ouvindo músicas do Gonzaga.
Nunca fui de dançar quadrilha. Mas adorava um bate-coxa ao som de uma sanfona, mesmo desafinada, o que não era novidade.
Já tão distante do meu último forró, lembro-me ainda da meiga sertanejinha com que dancei, repetidas vezes, Olha pro Céu, do velho Lua.
(Olha pro céu, meu amor/ Vê como ele está lindo/ Olha praquele balão multicor/ Como no céu vai sumindo./ Foi numa noite igual a esta/ Que tu me deste o coração/ O céu estava, assim em festa/ Pois era noite de São João/ Havia balões no ar/ Xote, baião no salão/ E no terreiro/ O teu olhar, que incendiou/ Meu coração.)
Ela ficou no sertão e eu, morrendo de saudade, parti pra capital. Me despedi dela, dizendo-lhe, num fungado aconchegante e sofrido: menina, ..."eu te asseguro, não chore não, viu/ Que voltarei, viu/ Meu coração!"
Mas, não sei por que, não voltei.
Ela se casou com um matuto rico. E segundo me disseram recentemente, não perde um são-joão ao lado dos seus oito filhos, um deles um forroseiro da moléstia. Toca uma sanfona como gente grande. Ainda bem!
*** *** ***
O leitor deve ter notado a minha preocupação em, nesta crônica, só falar em sanfona, zabumba e triângulo.
Sim, porque são estes três instrumentos que produzem o forró, a insubstituível dança do são-joão.
Estão aí os baiões e xotes deixados por Luiz Gonzaga, as músicas do Dominguinhos e as composições de forrozeiros modernos que, felizmente, não perderam de vista a autêntica festa joanina.
E sempre foi assim. No passado - e por que não recordá-las? -, lindas marchinhas enchiam de beleza e de saudade as noites frias de junho.
Posso citar, entre outras, Chegou a Hora da Fogueira, do Lamartine Babo, cuja primeira estrofe diz assim: - " Chegou a hora da fogueira/ É noite de São João!"/ O céu fica todo iluminado/ Fica o céu todo estrelado/ pintadinho de balão."
Pena que aos pouco essas músicas foram esquecidas e substituídas por cada coisa!
E por falar em coisa, aproveito o embalo para dizer que sou contra a presença dos axeseiros (perdoem o neologismo) nos forrós são-joaninos, como se pretende aqui na Bahia. Na Bahia, digo, em Salvador.
Basta que eles já axesizaram (desculpem, mais uma vez) o carnaval baiano, tirando da festa momina aquilo que, como o lança-perfume (hoje proibido), o confete e a serpentina, sempre fizeram lembrados o carnaval que passou, ou seja, a verdadeira e inspirada música carnavalesca.
Nada contra a "axé music"; embora não a aceite pacificamente. Mas, no são-joão - vou morrer dizendo isso -, não há lugar pros axeseiros.
(Joanina)
Pelo menos até agora, o meu são-joão será em Salvador. Um são-joão no asfalto e entre os arranha-céus que me circundam e me sufocam, sem dó nem piedade.
E mais: de repente, na noite do Batista, desaba uma daquelas traiçoeiras frentes-frias e aí, amigo, a vaca irá inapelavelmente pro brejo.
Nuvens pesadas e inclementes esconderão o resto de céu que ainda consigo ver da minha janela, deixando-me sem estrelas. E com as estrelas apagadas, a noite de São João perde boa parte de sua graça.
Basta que o tal do progresso já roubou os meus alegres e coloridos balões.
Hoje, pelo céu joanino só navegam balões teimosos; balões rebeldes.
Mas sou capaz de jurar, que nenhum deles leva, no seu incandescente interior, bilhetinhos de amor, como acontecia com os balões de antanho.
*** *** ***
Vou dizer uma coisa que imagino ninguém, até hoje, tenha dito: são-joão gostoso mesmo é o são-joão na roça.
E quando o inverno é bom, a festa do Precursor é melhor, é o que se diz no sertão.
Vejam bem: eu disse inverno. Muito diferente do desastre pluviométrico que, este ano, atingiu o nordeste, acabando com tudo.
*** *** ***
Minhas melhores noites de São João brinquei-as no alto sertão cearense, comendo canjica, bebendo licor de jenipapo, pulando fogueiras e ouvindo músicas do Gonzaga.
Nunca fui de dançar quadrilha. Mas adorava um bate-coxa ao som de uma sanfona, mesmo desafinada, o que não era novidade.
Já tão distante do meu último forró, lembro-me ainda da meiga sertanejinha com que dancei, repetidas vezes, Olha pro Céu, do velho Lua.
(Olha pro céu, meu amor/ Vê como ele está lindo/ Olha praquele balão multicor/ Como no céu vai sumindo./ Foi numa noite igual a esta/ Que tu me deste o coração/ O céu estava, assim em festa/ Pois era noite de São João/ Havia balões no ar/ Xote, baião no salão/ E no terreiro/ O teu olhar, que incendiou/ Meu coração.)
Ela ficou no sertão e eu, morrendo de saudade, parti pra capital. Me despedi dela, dizendo-lhe, num fungado aconchegante e sofrido: menina, ..."eu te asseguro, não chore não, viu/ Que voltarei, viu/ Meu coração!"
Mas, não sei por que, não voltei.
Ela se casou com um matuto rico. E segundo me disseram recentemente, não perde um são-joão ao lado dos seus oito filhos, um deles um forroseiro da moléstia. Toca uma sanfona como gente grande. Ainda bem!
*** *** ***
O leitor deve ter notado a minha preocupação em, nesta crônica, só falar em sanfona, zabumba e triângulo.
Sim, porque são estes três instrumentos que produzem o forró, a insubstituível dança do são-joão.
Estão aí os baiões e xotes deixados por Luiz Gonzaga, as músicas do Dominguinhos e as composições de forrozeiros modernos que, felizmente, não perderam de vista a autêntica festa joanina.
E sempre foi assim. No passado - e por que não recordá-las? -, lindas marchinhas enchiam de beleza e de saudade as noites frias de junho.
Posso citar, entre outras, Chegou a Hora da Fogueira, do Lamartine Babo, cuja primeira estrofe diz assim: - " Chegou a hora da fogueira/ É noite de São João!"/ O céu fica todo iluminado/ Fica o céu todo estrelado/ pintadinho de balão."
Pena que aos pouco essas músicas foram esquecidas e substituídas por cada coisa!
E por falar em coisa, aproveito o embalo para dizer que sou contra a presença dos axeseiros (perdoem o neologismo) nos forrós são-joaninos, como se pretende aqui na Bahia. Na Bahia, digo, em Salvador.
Basta que eles já axesizaram (desculpem, mais uma vez) o carnaval baiano, tirando da festa momina aquilo que, como o lança-perfume (hoje proibido), o confete e a serpentina, sempre fizeram lembrados o carnaval que passou, ou seja, a verdadeira e inspirada música carnavalesca.
Nada contra a "axé music"; embora não a aceite pacificamente. Mas, no são-joão - vou morrer dizendo isso -, não há lugar pros axeseiros.