Preto, o cão perneta

Preto, o cão perneta – adotado e feliz

Duas vezes por semana, por conta de programação de horário, chego mais cedo no trabalho, junto com alguns outros colegas insones, cada um se dirige para o estacionamento do setor correspondente.

Quando chego ao bloco onde trabalho, sendo o primeiro a abrir a porta do corredor, sou avistado e recebido com uma manifestação típica, na outra ponta do corredor, pelo cachorro adotado pelo Fábio, Gerente de um setor que ocupa a parte dos fundos, que tem duas peculiaridades: perdeu uma das patas traseiras e, não late; emite uma espécie impressionante e longa de uivo ou canto dolorido, que ecoa alto, para saudar os primeiros chegantes. Gosta de um chamego, como todo cachorro, ao qual agradece com mais daqueles curiosos uivos, cujas notas variam entre graves e agudos, entrecortados.

Há algum tempo, esse cão vira-latas de pelo escuro, dócil e meio bonachão, apareceu por aqui, com cara literal de havia "caído da mudança", provavelmente descartado pelos antigos donos, nas proximidades.

Mas, aí, socorreu a mão destino, pois Fábio tem uma enorme paixão por animais e, o recepcionou, tratando logo de dar-lhe um apelido - Preto, alimento e carinho. O pobre animal sempre agradeceu de seu jeito, emitindo o seu uivado peculiar (que, às vezes, lembra, estranhamente, o canto profundo das grandes baleias).

Depois de certo tempo, notando que o cão mancava e uivava demais quando caminhava, Fábio o levou ao veterinário, onde descobriu que ele tinha um tumor cancerígeno na coxa da pata traseira direita - estava aí, talvez, a explicação pelo seu abandono pelos antigos donos que, em vez de sacrificá-lo, preferiram deixá-lo em algum canto da cidade, para que tivesse uma sobrevida, ainda que sofrida, o que talvez explique, em parte, o seu uivo lamentoso, lembrança do tempo de infortúnios.

Após o diagnóstico médico, o gerente de bom coração não pensou duas vezes, mandou que o veterinário fizesse o que pudesse para salvá-lo. A perna do animal foi amputada, então, para debelar o processo cancerígeno. O cachorro, enfim, sobreviveu.

Passado o trauma da cirurgia, Preto ganhou uma casinha de madeira, que fica na porta dos fundos do bloco. Pelo jeito, andou descarregando as frustrações na ração e, engordou demais. Fabinho tratou de impor-lhe um regime que demorou algum tempo para dar sinal de progresso.

O Gerente amigo que salvou Preto de passar desta para a outra, não muda: há pouco mais de um ano, ele não resistiu a adotar um gato meio arisco que apareceu por aqui, que também recebe seu carinho e uma tigela com iscas diária, colocada no corredor do estacionamento.

Meses atrás, enquanto tratávamos de assunto do trabalho, me contou que havia encontrado um filhote de gato que fora vítima de atropelamento, no sinal. Pois, bem: desceu do carro, pegou o bichinho e foi dar socorro (até aquela data, dizia ele, a despesa estava em R$ 273,00).

Todo final de semana, Fábio (que, de vez em quando, avisto caminhando pelo centro da cidade, levando pela coleira uma bela cachorrinha pequinês do pelo branco), vem ao prédio onde trabalhamos, para visitar o cão e, certificar-se de que está bem servido de ração e água e, fazer-lhe uns minutos de companhia. E não se esquece de verificar as tigelas de iscas do outro protegido, o gato arisco.

Pelas condições que apresenta, Preto não serve para guarda. A visão dele dentro da casinha, em pleno de corredor de acesso, entretanto, talvez assuste a um desavisado. Se isto não funcionar, talvez seu uivado estranho e profundo possa assustar, se o visitante confundir aquela espécie de canto uivado de saudação, como ameaça ou aviso de "afaste-se".

(Goiânia, GYN, cachorro, cão, cronica, uivo, amputação de membro, adoção de animais)