O POETA E SUA MEIGA HEROÍNA
Não poderia eu deixar de escrever algumas linhas àquele mineiro de Santa Juliana, ex-seminarista de olhos azuis e amante da filosofia que, em troca de uma paixão arrebatadora pela sua “meiga heroína”, abandonara seus planos de dedicar-se à vida religiosa.
Apesar de as mães do casal serem contrárias à união matrimonial dos dois, pois ambos eram primos e, além disso, o jovem rapaz tinha vocação para padre, eles lutaram, enfrentaram muitos obstáculos e casaram-se. Na época, ele estava com 23 anos; ela, com 17. E mesmo sendo muito jovens, estabeleceram que nunca se separariam e que os filhos que Deus permitisse que tivessem, não importando quantos fossem, todos estudariam e seriam “alguém na vida”.
Sentindo que Santa Juliana ficaria pequena para criar, educar e formar seus filhos, ele mudou-se para Ituiutaba, depois para Uberaba e aqui chegou nos idos de 1968 na companhia da sua jovem esposa e dos filhos que tiverem ao longo das 71 primaveras em que viveram juntos. Na bagagem, trouxe apenas sonhos e projetos traçados quando do seu casamento com a prima e eterna companheira, Thereza.
Incansavelmente, trabalhou até os 88 anos de idade, e durante 33 anos da sua vida ia e voltava de ônibus a Planaltina de Goiás, pois era funcionário da Câmara daquele município. Mas antes de sair para o trabalho preparava o café e o levava para sua “meiga heroína”, na cama. Assim ele fazia todos os dias, durante quase toda a vida em que juntos estiveram.
Além de ser um marido eternamente apaixonado e um dedicado pai, ele era também um semeador de doces e alentadoras palavras, um cultivador de sonhos, um idealizador de fantasias, um realizador de projetos, enfim, um grande e refinado poeta.
Aos 90 anos, um coágulo no cérebro deixou seus firmes passos mais lentos e desequilibrados. Pelo quadro clínico que apresentava, era para nunca mais falar, porém, como se um milagre tivesse acontecido, ele deu uma rasteira no destino, nos médicos e nos prognósticos: falava como nunca. Seus passos não mais eram firmes como outrora, no entanto, a fala parece ter-lhe voltado com mais corda, com mais vigor, de bateria nova...
Em 2008, quis o destino que o acordo estabelecido entre ele e sua eterna companheira, sete décadas antes, fosse quebrado: separaram-se, mas não por muito tempo. Primeiro se foi Thereza, que partiu quando ele mais necessitava dela. Dezoito dias após, ele não resistiu à ausência da amada e partiu ao seu encontro, levando no peito a dor da saudade e a certeza de que a sua “meiga heroína” o esperava de braços abertos.
Hoje, os dois circundam de mãos dadas os bosques e jardins do Paraíso. Ele recitando versos aos querubins e aos anjos da guarda que o acompanharam durante os 71 anos de matrimônio com sua Thereza; ela, espalhando pelas brancas nuvens pétalas de determinação, paciência, dedicação e sabedoria a fim de que elas possam chegar, através da atmosfera do amor, aos corações dos filhos que lhe dera Elpídio da Cunha Rezende, seu fiel amante e inseparável amigo.