Eles eram mutantes (crônica da diferença)

Em meados dos anos 60 do século vinte, um dos mais notáveis criadores de banda desenhada Norte Americana de nome Stan Lee originou uma das mais brilhantes e imaginativas séries de banda desenhada da história deste género. Nela contava a história de seres que tinham nascido com uma alteração genética que lhes conferiam aquilo que podemos designar por “poderes extraordinários” que iam desde uma anormal capacidade psíquica a atributos físicos extraordinários a permitir-lhes voar, atravessar paredes, lançar raios pelos olhos, dominar os elementos e toda uma série vasta de poderes, quase tão vastos como a imaginação humana, eram os chamados X Men. Esses seres viviam divididos entre a exclusão de que eram vítimas e a tentativa de integração num mundo que não os compreendia, que os queria longe por não suportar essa diferença. Se eles fossem reais seriam o próximo passo na cadeia evolutiva humana, que faria do resto da humanidade tão anacrónica como os outros antigos hominídeos perante a raça humana actual, eles seriam o futuro.

Mas a grande questão nessa obra era a velha questão da humanidade ter a doentia capacidade de nunca ter compreendido a diferença, de ter sempre colocado os seus génios ou pessoas que optaram pela diferença ou nasceram com uma diferença de lado. E a sede persecutória era e é de tal ordem que buscamos apenas pequenos motivos para exercer esse absurdo “direito de exclusão” entre aspas, entre demasiadas aspas…Basta que a pessoa tenha um cor diferente da sua, venha duma zona mais desfavorecida, fale outra língua, tenha outra religião, opte por uma via alternativa de sexualidade, tenha uma deficiência, tenha ideias ou ideais diferentes da maioria, etc…infinitos etc… A história está cheia de episódios sangrentos dessa perseguição, desde guerras a coisas abjectas como o foram a Inquisição ou os Campos de Extermínio nazis…O mais absurdo é que entre os executores ou aqueles que excluíam e excluem existirem membros ocultos dessas minorias…Um exemplo paradigmático foi dado por Reinhard Heydrich um dos homens mais fieis a Hitler e um acérrimo defensor do extermínio de Judeus ou de outras minorias, enfim, um dos mais fieis servos da doutrina Nacional-Socialista da Solução Final, um “Ariano puro” (ou seja um dos melhores exemplares da super raça que Hitler e os nazis queriam para dominar o mundo) que até ser corajosamente eliminado por resistentes Checos em 1942 era um dos SS mais perigosos, um dos seres mais letais à face da Terra. Esse homem tão brilhante como tenebroso tinha antecedentes judaicos e chegou ao ponto de mandar secretamente apagar o nome judaico do túmulo de uma avó sua…A raiva da sua morte entre os nazis foi de tal ordem que todos os habitantes da aldeia checa de Lidice de onde vinham os resistentes que o tinham eliminado foram mortos e a aldeia totalmente arrasada para que dela nada restasse a não ser a memória que supostamente também morria com os seus habitantes. Felizmente que o nazismo não passou e que a história registou a memória.

Que loucura move o homem ao ponto de se auto excluir? Que sede louca se move na nossa sombra? Somos uma só espécie e perante tal porque é que arranjamos sempre motivos para nos dividirmos? O que leva pessoas com enorme sensibilidade em se transformarem em monstros odiosos? (O próprio Reinhard Heydrich era um violinista dotado, ao que parece com uma rara sensibilidade artística que conciliava com um enorme sadismo…). Porque desprezamos a diferença quando esta poderia ser a nossa força suprema? Muitas das sociedades mais avançadas ao longo da história foram-no porque souberam admitir e integrar essas diferenças…E mesmo assim foi a custo, porque as pessoas diferentes eram mais “toleradas” do que totalmente aceites, como são o caso de certos artistas e génios, cujas qualidades são apreciadas, mas eles não deixam de ser os tais “artistas” cujo comportamento nunca é totalmente aceite, pois eles nunca fazem parte de facto do grupo maior…E muitas vezes só são de facto tolerados pelo seu excepcional contributo para a causa civilizacional comum.

E devo também confessar que este assunto me toca a um nível pessoal, tanto pela minha nata solidariedade para com os excluídos, por também ser muitas vezes excluído: desde que me conheço que tive inúmeros grupos sociais, porque ao mesmo tempo que me sentia parte deles, nunca me senti de facto parte integrante de nenhum, tenho uma espécie de “inconstância social”, que me faz ao mesmo tempo querer estar com tudo e com todos (as) e ao mesmo tempo com coisa nenhuma; desde que me conheço que desenho, que escrevo e muitos desses desenhos e escritos, apesar de terem sido publicados em alguns jornais e revistas serem vistos de lado por muito boa gente…Sou o tipo de pessoa que não ligo a modas, que me visto com o máximo de informalidade possível, de, tirando os momentos em que estou a trabalhar, ando sempre com a cabeça algures a criar, a imaginar coisas que espero que um dia pulem a barreira da publicação, consigam ser publicadas em livro e me façam ser um escritor de facto, o maior dos meus sonhos. Desde que me conheço que me sinto um mutante, apesar de socialmente ser uma pessoa integrada, (bem, tirando a parte de andar com a cabeça eternamente no céu…), que sinto em mim uma sede pelo impossível…Gosto de conhecer pessoas diferentes de mim, de as ouvir, de partilhar com elas as suas vivências, e de preferência as cruzar com as minhas e de assim estabelecermos laços, mas só as pessoas diferentes me atraem, mas ao mesmo tempo me sinto longe delas por ter ainda tantos mundos para imaginar e para colocar no papel, a via pela qual decidi mostrar ao mundo uma diferença da qual sei as suas fraquezas, mas também as suas forças, as suas virtudes e por isso de me orgulhar delas e de fazer disso a minha principal bandeira…Por isso entendo os mutantes, por isso bebo a sua diferença, pois só na diferença alcanço uma certa paz; por isso encaro os Homens (e mulheres, que também as há,) X, como o meu povo, o povo breve, como um dia escrevi, gente que estimo para além da ficção e muito, demasiado, dentro da realidade, pela simples e ao mesmo tempo complicada razão d’

Eles serem mutantes

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