FÁCIL EXTREMAMENTE FÁCIL









Outro dia, durante uma renião, não me contive:


- Você é a pessoa mais presa ao racional que conheço! Solte-se um pouco!


A resposta foi fulminante:


- E você é a pessoa mais solta que já encontrei! Limite-se um pouco!


A discussão evoluiu (se é que este verbo pode ser empregado em cenários dissonantes) para uma série de considerações, que não vem ao caso nesta crônica, mas, o fato é que, antes de terminá-la, outra pessoa do grupo, para suavizar o clima, brinca, antecipando o final do ano:


- Poderíamos trocar presentes!


E o primeiro retruca em tom bem humorado:


- Para a Dolce, algemas!



Esta passagem me levou a refletir sobre uma das mais complicadas aprendizagens na vida: respeitar a lente que o outro usa para olhar o mundo.


E esta reflexão transita em labirinto sinuoso: compartilhar idioma não é falar a mesma língua.


Os desencontros e equívocos de comunicação escancaram o desafio: fazer-se entender. Muitas vezes, existe um "diálogo de monólogos". As pessoas falam sobre o que imaginam ter entendido e nada consegue ser expressado ou compreendido.


A palavra vibra em diferentes nuances do sentido. Nossas experiências e valores criam vocabulário próprio, que nasce do idioma em comum, mas se diferencia por nossa "impressão digital em letras".  Isto é, personalidade, bagagem, visões, etc e tal...


A distância entre o que é falado (escrito) e ouvido (lido) pode ser abissal.


E não é por má vontade, mas por multiplicidade de pensamento. Ninguém olha o mundo e constrói seus pontos de vista, necessariamente, pela mesma janela.


A paisagem varia de acordo com a janela escolhida para contemplar o horizonte das idéias. Por isso, não refletem e nem deveriam reproduzir, as mesmas cores e cenários universais em tempo integral.


Se até aspectos de natureza puramente biológica, como o metabolismo dos nossos corpos, é variável, por que o pensamento não seria múltiplo?


Existem muitas praias. E tantas outras tribos. Inúmeras línguas são faladas dentro de um idioma em comum.


Ao contrário do título desta crônica, não é "fácil extremamente fácil" encontrar quem fale a sua língua. Uma alegria compartilhada entre aqueles que não precisam colocar legenda, nem tradução simultânea a cada frase pronunciada ou escrita.


No entanto, tenho aprendido a reconhecer, cada vez mais, a noção de respeito ao pensamento do outro. E é preciso oferecer respeito para defendê-lo em relação ao seu próprio espaço de reflexão.


Pensar diferente não é debruçar-se sobre o pensamento alheio para desconstruí-lo, mas buscar conviver com esta diferença sem necessidade de confrontos estéreis, onde as pessoas não estão realmente abertas a compartilhar suas idéias, mas defendê-las a qualquer preço.


Confesso uma profunda dificuldade em abrir mão da liberdade ao pensar, por isso, respeito quem entenda que, em nome da coerência, seja preciso pontuar as bases de seu raciocínio, em referências sólidas e seguras, para dar sustentação aos seus posicionamentos.


Em outras palavras, a meu ver, mudar de idéia é uma grande qualidade.


Para outros, incoerência.


Quem está com a razão? 


Respondo com outra pergunta: a razão é única?


Se podemos ser realmente livres, em alguma instância, creio que é na esfera do pensamento.


Colocar algemas onde só deveria haver liberdade?


Haja fôlego para prender a respiração!






(*) P.S.:
Sim. O título é ironia. Ironia pura, mas nunca inocente! ;)







(*) Imagem: Google

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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 08/06/2009
Reeditado em 08/06/2009
Código do texto: T1637716
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