Vamos "curtir numa boa"?
É muito saudável a atitude de se tirar férias de qualquer trabalho profissional estressante, já que nosso organismo tem limitações para toda e qualquer atividade rotineira, cujo objetivo seja o de ganhar condições para o sustento da família. Caso sejamos empregados, teremos que cumprir horários rígidos, vamos encontrar superiores difíceis, subordinados irresponsáveis e, muitas vezes, condições de trabalho não muito boas, ao passo que, no caso de sermos patrões, a responsabilidade sobre o sustentação de emprego de muitas famílias, além das obrigações com fornecedores e da paciência e atenção para com os clientes, também temos que estar preparados para tomar decisões que garantam a continuidade do empreendimento – tudo isso, após anos a fio, pode provocar desgastes físicos e psíquicos com consequências imprevisíveis, ou melhor, podemos dizer: “previsíveis”.
Acontece que todos pensam que tirar férias é ficar o tempo todo de “papo pro ar”, “curtindo numa boa” a condição do “dolce fare niente”, como faz o urso na hibernação, e daí não sabem porque, quando voltam ao trabalho, demoram muito para se adaptar à antiga rotina, porque passam a se cansar com mais facilidade, além de terem que lutar constantemente contra a falta de ânimo e a irritabilidade. Sabemos que é um paradoxo, mas tem explicação bem simples – nosso corpo é preguiçoso e, assim, se adapta rapidamente à ociosidade, porém demora para recuperar o ritmo acelerado de um trabalho qualquer, por isso ele se recente dessa mudança brusca, logo não é assim que se “descansa”.
“Curtir numa boa” é usar as férias para colocar o físico em movimento, executando caminhadas curtas, praticando o ciclismo moderado, dormindo apenas o suficiente, dançando, produzindo algo com as mãos (pintar, esculpir, cuidar de flores, tecer, cozinhar etc.) e, principalmente, mantendo o cérebro sempre em atividade (lendo, escrevendo, jogando xadrez etc.), ao mesmo tempo participando de debates com pessoas de bom nível cultural, aprendendo e ensinando algo que seja útil à continuidade da vida, portanto desprezando as banalidades das culturas inúteis, que não acrescentam nada à nossa sobrevivência e embotam o nosso espírito e, também muito importante, deixando bem longe os assuntos que digam respeito à vida profissional. Assim é que se aproveita o tempo disponível para descansarmos da rotina e recuperarmos as forças. O valor da vida não está no uso do tempo apenas para ganhar dinheiro e adquirir bens materiais, juntamente com a utilização do ócio para não fazer nada, literalmente, mas está no nosso crescimento, na evolução da nossa individualidade, na ascensão da nossa espiritualidade, no nosso espírito de busca, na força do aprendizado constante do que seja útil à sociedade, dentro da sua trajetória rumo a uma civilização mais equânime, mais fraterna, mais sincera e mais justa.
Cada um de nós é um artífice da construção de um mundo ideal, portanto a nossa vida só terá o devido valor quando a usarmos de acordo com essa determinação do Alto; fora disso estaremos jogando no lixo toda uma vida, não importando quanto tempo durarmos por aqui; essa é a razão porque o aposentado não pode desperdiçar essa graça, permanecendo constantemente jogando baralho, jogando conversa fora, ou então discutindo sobre futebol, pescaria e demais assuntos muito bons para “matar o tempo”, porque assim, quando o final chegar, ele terá atirado fora a grande oportunidade de cumprir a missão de viver, em troca pelo vazio.
Mais uma vez vou repetir: deixemos de agir como os macacos, que apenas imitam o que os outros fazem, mas não sabem porque; deixemos de falar como os papagaios, que repetem tudo o que os outros falam, sem saberem o significado do que estão dizendo; por fim, deixemos de esconder o rosto em um buraco, vivendo a ilusão de que tudo está bem, porque não estamos enxergando o que acontece ao nosso redor, como fazem os avestruzes. Temos que participar, temos que formar opinião e trocar conhecimentos com quem esteja “no mesmo barco”, temos que lutar para um mundo melhor de verdade, se quisermos mesmo “curtir a vida numa boa”.