Simplicidade

Quando eu era criança nunca fui daqueles a me imaginar com as profissões de adulto. Nunca quis ser médico ou engenheiro, nem queria ser advogado como minha mãe. Achava tudo extremamente chato. Não conseguia entender quais eram suas motivações, o que pra eles era diversão, pois até aquilo que eles achavam divertido eu não via graça alguma. O que tinha de tão especial em uma lata de cerveja? Não entendia o carnaval, não entendia o poder do álcool, achava irracional. Acima de tudo, não entendia como eles não brincavam, como davam tanto valor ao trabalho. Quando criança, jurei pra mim mesmo que sempre brincaria, que continuaria a ver a vida daquele mesmo jeito que eu enxergava, que não cairia na absoluta chatice dos mais velhos. Eles viviam cheios de problemas, problematizavam tudo, discutiam... E eu achava aqueles problemas tão fáceis de serem resolvidos, era como esse eu soubesse as respostas de muitas coisas, mas ninguém acreditasse no que eu falava. Sentia que lhes faltava coragem na vida, via que eles nunca faziam uma loucura, eram sensatos demais, sérios demais. Estavam sempre iguais, falando das mesmas coisas, chatas e imutáveis. Cresci assim, pensando que tinha todas as respostas, que tudo era muito simples, com o poder de resolver todos os problemas dos adultos. Naqueles dias queria ser adulto por um momento, pra poder resolver aqueles fáceis problemas com a maior tranqüilidade. Queria mostrar pra eles como era fácil não viver em conflito com tudo, com a política, com a religião, com as contas no final do mês, e se preocupar com coisas mais simples, enxergar aquilo que deveria ser visto. Nessa esperança sai de casa com 17 anos, sabendo que o mundo não era assim tão complicado, com medo nenhum de tocar a minha vida e resolver os “problemas de adultos”, pois mais difícil era eu mesmo me conhecer e me entender, aprender aquilo que não é palpável na vida, ter sabedoria. De fato, muito do que aquela criança viu é totalmente verdade: a vida é simples, os adultos que problematizam. Mas fui ficando adulto e comecei a ter problemas de adulto: virei, dessa vez, protagonista e não mero observador dos problemas dos outros. A seriedade cresce com a idade e, quando vemos, a rotina e a “burocracia das atitudes” tomam conta do cotidiano. É muito fácil endurecer, ficar sério, e começar a achar tudo difícil. Complicado é simplificar. É muito confortável não fazer loucura nenhuma. Transforma-se em normalidade estar cercado de documentos, de vencimentos, de datas, números, de expectativas de rendimento, metas a serem alcançadas, prazos e prêmios. Fica normal sonhar com a viagem somente no final do ano (e se tudo der certo) – encontramos beleza na família, marido e mulher, filhos, gatos, cachorros e plantas. Será que essa é a diversão de verdade?

Acho que esse excesso de lucidez e discernimento acaba minando algumas percepções essenciais. São tantas atribulações, compromissos, convenções, que realmente devemos tomar cuidado para não vivermos dentro deles, como um pássaro num viveiro, que “pensa” que a árvore artificial é tudo que pode tocar, e que o mundo fora é apenas cenário. Às vezes me pego imaginando eu velhinho, daqueles carequinhas com seus chapéus, bengalas e cadeiras, quase sem audição e falando bem pausadamente. Nesse momento, quando visualizo um futuro não palpável, prefiro e quero imaginar um velhinho sorridente, sem o mesmo discernimento de antes, porém com um sorrisinho moleque no canto dos lábios, denunciando que sabe que a vida é bela, louca, surpreendente e curta, e que a verdadeira consciência por muitas vezes é conseguir ver o mundo com aquela simplicidade de criança.

Leonardo Cápot
Enviado por Leonardo Cápot em 07/06/2009
Código do texto: T1635981
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