A completude do pé de alface
Observando pela varanda um pouco do tudo e um muito do nada, gastei um tanto das horas da manhã deste sábado. Debrucei na paisagem o olhar meio ferido pelo excesso de sol, e admirei, a uma desaltura de onze andares em relação ao meu ponto de observação, o tapete verde das árvores. Onze andares sem contar o térreo e a garagem. Não foi à toa que pensei agora na minha amiga Luciene Lima, que também escreve e gosta de criar palavras, e o que ela diria se lesse isto: de-sal-tu-ra...
Depois, gastando sem estresse o meu dia mais tranqüilo da semana, notei que, ao redor da piscina, as pessoas fumegavam, manchavam e envelheciam a pele. Talvez na ânsia da libertação do abafado do dia, ou na ânsia de encontrarem um outro eu da próxima vez que se olhassem no espelho. Este mesmo abafado foi o que elevou em mim a calmaria que vira, minutos antes, nas folhas de alface verdinhas, recém-lavadas para a salada do almoço. Um verde tão íntegro, fresco e bonitinho, que eu não pude deixar de admirar ali a honestidade da forma, a generosidade no tamanho das folhas e a graça que emprestou à saladeira de inox quando refletiu, duplicando nela, a sua calma.
Não sei por que cargas d’água as pessoas fazem piada com a dinâmica da alface! Já ouviram ou leram frases como “tão esperto quanto um pé de alface”? E pé de alface lá precisa ser esperto? Cada um com o seu papel. O meu de hoje, solidária até à alma com a completude do pé de alface, era o de ficar quietinha em casa, enquanto a família saía para caminhar na pista ao redor da Lagoa do Taquaral. Bons ventos os levem e os tragam, que passear o meio ambiente bem cuidado faz bem até à alma.
Quem me dera poder estar sempre assim deste jeitinho! Que o diga a minha amiga Odete, escritora lá da ilha da magia, ou Florianópolis, que escreveu: “Não me faz falta o que não quero”. E hoje eu quero ficar em casa. Nem de andor, se num deles me carregassem, me apeteceria sair.
Do meu livro: "Uma sujeita esquisita"
AVBL - 2009 - Campinas-SP.