QUE SUFOCO!!!!

Em uma das vezes em que minha mãe, já bem idosa, veio passar um mês de férias comigo, aconteceu um fato que até hoje, quando me lembro dele, não sei se disparo a rir ou a chorar!

Eu morava sozinha numa casa de fundos, pequena, com dois quartos. Em um deles, montei minha sala de trabalho e o outro era onde dormia.

Para conforto da minha mãe, deixei que dormisse no meu quarto e eu ficava no sofá da sala. Nessa época eu estava trabalhando fora, saía mais ou menos às 7 da manhã e somente voltava à noitinha. Deixava pronto tudo o que ela precisava: cafezinho fresco, pão quentinho, frutas etc., inclusive o almoço que uma senhora lhe trazia para que não precisasse mexer no fogão.

Para ela, estava tudo bem e eu ia tranqüila trabalhar. Caso precisasse de alguma coisa mais, era só telefonar que do escritório eu providenciava o que precisava e mandava entregar.

Foram vários dias nessa rotina até que, em uma manhã como de costume, entrei no quarto sem fazer barulho para não acordá-la; peguei as roupas e sapatos que precisava e saí devagarzinho, puxando bem a porta antiga pelo ganchinho que a fechava pelo lado de fora, para que a luz que havia acendido na cozinha, não atrapalhasse seu sono.

Fiz tudo o que tinha que fazer e saí de casa, tranquei a porta da rua e fui trabalhar.

Mais ou menos lá pelas 8 h, minha mãe levantou-se para ir ao banheiro e viu que a porta não abria!

Eu não tinha percebido que, ao soltar o fatídico ganchinho, ele tinha caído bem na argolinha e literalmente eu tinha trancado a porta por fora!

Imaginem o sufoco da velha senhora!

Tentou de todo jeito e nada conseguiu; percebendo que ela estava trancada por fora, foi até à janela e abriu-a. Pensou até em pular, mas havia as grades de proteção. Gritou pelos vizinhos, mas a minha casa era de fundos e ninguém escutou, talvez porque ela não tinha muita força para gritar alto e em bom som.

Encontrou uma régua de metal que eu pedira a ela que levasse para um filho meu quando fosse embora e que morava no seu caminho de volta; a régua estava já em sua mala para não se esquecer. Tentou usá-la como uma alavanca, enfiando-a pela greta da porta e nada! A régua acabou se entortando. E era de metal!

Esmurrou a porta para que alguém da casa da frente ouvisse, mas sem resultado. Chorava a coitada da minha mãe, no desespero de estar trancada e tão apertada para ir ao banheiro.

O pior de tudo era que o telefone ficava do lado de fora do quarto e ela não podia me chamar.

Esse tormento não teria fim ou teria um triste fim, se não fosse um providencial filho meu que, em vez de ir à tarde à minha casa para levar um documento como estava combinado, resolvera ir lá pela manhã.

Já era mais ou menos umas 10 e meia, quando abriu com sua chave a porta da rua e escutou os gritos da pobre mamãe:

- Quem está aí, me tira daqui, socorro, pelo amor de Deus!

Mais do que depressa meu filho correu para o quarto e ainda sem abrir a porta, perguntou de fora:

- Vó, é a senhora? O que está acontecendo?

Ele não percebera o trinco fechado da porta e mamãe gritou:

- Me tira daqui, meu filho, pelo amor de Deus, sua mãe me trancou por fora. Depressa que não agüento mais!

Percebendo o ocorrido, meu filho abriu o famigerado ganchinho e ela saiu depressa, o mais possível que suas pernas trôpegas conseguiram, apoiando-se no meu filho e foi se segurando até ao banheiro.

Depois, aliviada, mas ainda chorando do nervoso, abraçou-se com ele e lhe contou o sufoco e o desespero que tinha passado desde a hora em que havia acordado.

Ainda dizia:

- Deixa estar, quando sua mãe chegar à tarde, ela vai ver só!

Meu filho acalmou-a da melhor forma possível, mostrando a ela como o ganchinho tinha se fechado sozinho por fora quando puxei a porta, que eu não tinha o costume de fechá-lo, uma vez que morava sozinha, que eu não tinha feito de propósito. Foi um custo. O sufoco tinha sido grande mesmo, coitadinha!

Já na casa dele, depois que a deixou bem calma com seu cafezinho na xícara e o pãozinho cheiroso na mão, ele telefonou para mim e ainda arrumou um jeito de brincar comigo:

- Alô?

- Mãe?

- Sim, filho, o que é?

- Puxa, mãe, eu sabia que a senhora não gostava da Vovó, mas daí até prendê-la no quarto, não acha que é tortura demais? Ela fez alguma coisa errada para a senhora colocá-la de castigo?

- O que? O que eu fiz?! Conta isso. Do que você está falando, meu filho?!

E ele contou o que presenciou e o que mamãe lhe contou.

Já de cara comecei a rir, a rir tanto, que até chorava e sentia dor do lado. Não sei se foi por ansiedade de imaginar a situação pela qual ela passou ou pelo nosso jeito bem humorado de encarar as coisas, ainda mais com a ironia que meu filho usou para me dar a notícia.

Liguei depois para casa a fim de ver se ela estava bem, para me desculpar e para ver se precisava de alguma coisa.

Brava como sempre fora, de início, levei a maior bronca da paróquia, mas diante do tanto que eu ria, ela acabou caindo na risada também e terminamos as duas às gargalhadas... À noite, ainda ríamos muito ao lembrar o danado do sufoco.

Ficou na história da família o dia em que enclausurei a minha mãe!

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 06/06/2009
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