COMO NÃO FAZER AMIGOS

Vindo morar na capital para completar os estudos àquela época considerados mais reforçados, como se dizia no interior, a gente ficava, em princípio meio perdido no meio de tantas pessoas aparentemente alheias às outras e a tantas situações que são carregadas de muita impessoalidade. Acabávamos criando turmas, comunidades e, claro, repúblicas. Elas, além de unirem os aparentemente iguais reduziam custos para os pais ou para nós mesmos, se tínhamos trabalho paralelo com os estudos. E ainda permitiam um aprendizado de compartilhamento, respeito e solidariedade como uma espécie de recompensa pelos sacrifícios de se morar longe da casa dos pais em tão tenra idade.

O ano era 1978 e o sujeito a quem acolhemos era um tal Zé Roberto, conterrâneo nosso e que precisava de um local transitório, até encontrar uma moradia definitiva. Havia chegado recentemente à cidade, ouvido falar de nossa república, não conhecia bem a cidade, etc. e tal. Cedemos uma vaga apesar das exíguas dimensões do apartamento. Era um rapaz de poucas e também pouco amáveis palavras, sempre quieto em seu canto. Saía cedo a pretexto de procurar trabalho, dizia que estudava, mas nunca o vi com um caderno sequer. Em mim, o que mais chamava a atenção era um livro que carregava sob os braços todos os dias que se chamava ‘Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas’. A capa estava um tanto surrada, puída, creio que pelo contato do suor. Às vezes tinha a impressão que ele não tirava o livro dali nem mesmo para ler.

A sua presença na verdade era um incômodo para todos, já que vivíamos em um ambiente bastante familiar, no sentido da relação de proximidade, divisão de tarefas, de despesas e de brincadeiras sem que ele participasse de nada disso a não ser com seu olhar desconfiado e suas feições de reprovação e censura a todos os gestos e falas da casa. Já queríamos dispensá-lo e tínhamos o grande trunfo das dívidas com a hospedagem. Ao ser cobrado sempre se desculpava que estava aguardando um chamado de emprego e iria acertar tudo tão logo começasse a trabalhar.

Nem precisou. Minha mãe foi nos visitar certo dia e conversávamos na sala quando ele entrou porta adentro sem sequer dizer um olá, bom dia ou acenar com a cabeça para cumprimentar qualquer de nós. Entrou para o quarto e só não se fechou porque não havia porta. Mas o que se transformou na gota d’água mesmo foi ter ignorado a presença de minha mãe. Isso era mais imperdoável que qualquer dívida de estadia. No outro dia estava no olho da rua com sua obra de “cultura axilar”, como meu irmão tratava a relação do rapaz com o tal livro. Perdi até a curiosidade de ler, por achar que fazia o efeito contrário nas pessoas.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 06/06/2009
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