INÍCIO DE SEMANA
É segunda-feira e o portão não abre o cadeado
O carro atrasou pra pegar na gasolina do álcool
Só pão com manteiga foi motivo de impropérios de grosso calibre
O carro de ré atropela a bicicleta e o ciclista
Cólera e buzinas sem amor na leitura do acidente
O trânsito não perdoa qualquer atraso
No alto da nossa ignorância transitamos, e o sinal não abre
E cruzamos com figuras sisudas, trancafiadas, exalando pressa
Linhas paralelas de motos voam
Retrovisores se tocam numa dura agonia
Asfalto quente com buraco
E moeda dentro pra indenizar qualquer prejuízo
Está fervendo, e o vidro não abre nem dois dedos de medo
O salário está atrasado, e o celular não pára de tocar
Um gordo faz caminhada usando sapatos, e a meia pela canela
Quase enfarto com a feiúra e só segunda-feira
O tráfego não abre na avenida que preciso passar
A rua está mais cheia de carro que a outra de louco
Inferno abarrotado de apressados pecadores
E eu, escaldado no trânsito alucinante, sigo
O sol já sai quente, queima os olhos e a alma
Subvida desequilibrada num fio de navalha
Encolhida na pressa do dia-a-dia
No cruzamento tem marcação errada de 'pare' dos dois lados
Quem tem mais peito, rompe, numa disputa diária e inevitável
A moça magra chora, sem cor, sentada no chão
Tenta ligar do celular, não acerta o número e treme
Outra batida, e é só segunda-feira
São só vinte e sete minutos
E a máquina humana está pra fundir ou estourar
Porta de carro é porta de cadeia e lida indigesta
A cabeça roda com buzinas e zuns rápidos
Calado como um pássaro rouco, sigo atrapalhado no tráfego
E é só segunda-feira
Ninguém abre pra ambulância
Olhares de culpa impedem a passagem
O apito do guarda é agudo e fere
A multa por parar em fila dupla dói
Repugnância do inevitável dirigir
O sinal com câmera faz minha conta ficar negativa
Mais uma batida e desvio com os mesmos xingamentos
Subo na calçada e quebro o escapamento com dor no bolso
E é só segunda-feira
O cruzamento no caminho do motoqueiro moeu sua perna esquerda
O grito de pavor fez a mulher de vermelho vomitar
Estou mais morto que defunto e sem qualquer caixão
Sonhos e pesadelos com mais um dia que vem
Que saudade eu sinto dos gigantes pés de jatobás, das antas preguiçosas e dos pintados do Rio Santana, em Vila Rica. Dos pacus, piaus e das velhacas piamparas do Rio Turvo, em Edéia, e do meu amigo Fofão, que fugiu desta correria louca e foi se abrigar lá no céu.