Confissões
Águida Hettwer
 
 

 
 As lembranças têm sabores de inverno, grãos soltos de emoções, aquecidos nas brasas do fogão à lenha. Extraviando conversa fiada, rodeada de café cheiroso, ouvindo histórias de antepassados. Creio que sou amiga das letras por isso, cresci em meio de contos e causos onde minha imaginação desenhava cada cena retratada.
 
   Traçando um risco novo, no sopro de vida a cada personagem, retorcendo expectativas nos rascunhos que ainda não joguei fora. Via faces e risos em nuvens de algodão. Então para que grampear os papéis avulsos da memória, neles desprende as melhores prosas, evangelho profético no tempo.
 
 Quis sobrevoar as letras do meu íntimo, sem corretor ortográfico, despindo-me das falhas, por que os remédios esquecidos no fundo do armário, não curam as feridas e nem mascaram a dor. Descobri que as flores do meu jardim interior perfumam mais que os sonhos que cultivo em silêncio.
 
 Ainda que tente arrancar as raízes das lembranças, restarão filetes de esperança, atraída por tudo que é controverso, e de difícil acesso. Faço-me de rogada, finjo que a rua não é estranha, e nas frestas da janela a visão torna-se Ampliada. Talvez cultive o verão o ano todo, sem abreviar o caminho.
 
 Pois um bom vinho não muda o gosto por acaso, torna-se encorpado com o tempo, encontra maturação na própria vida. Ainda que o amor faça-me irracional, e pegue-me desprevenida, sem que possa ao menos argumentar, Deixarei para as letras me defenderem, feito pintura abstrata onde retrata a alma em contornos sublimes.
 
 
05.06.2009