O poeta das caibreiras
Itabaiana era uma cidade florida no começo do século vinte. Famosos os ipês, as caibreiras, os fícus benjamins por sob os quais passava o bondinho puxado a burro, “onde a vida ia e vinha”. O bondinho saía da Praça da Indústria, sendo a vida social marcada pelo trajeto desse meio de transporte e pelas árvores frondosas. Debaixo do pé de gameleira que dava nome à rua da beira do rio, rolou por muitos anos a feira dos cavalos, até que a centenária árvore veio ao chão.
A velha Itabaiana era rica de árvores e de poetas. Por aqui passou um dos grandes, chamado Antonio Maia Neto, desses que sabem os segredos da beleza artística das palavras e das coisas simples de sua aldeia. Por causa de uma celeuma com o prefeito, também poeta, Maia Neto ficou conhecido como o “poeta das caibreiras”.
Aconteceu do prefeito José Augusto Pinto Ribeiro mandar cortar as caibreiras para alargar algumas ruas, “dando espaço ao progresso”. O poeta Maia Neto protestou com belos poemas publicados nos jornais de oposição. Naquele ano, as caibreiras não amarelaram muito, certamente porque a natureza estava avisando que no ano seguinte não haveria bom inverno. Mas o poeta entendeu que as árvores estavam tristes, pressentindo seu destino iminente. E tascou esses versos:
“Eras alegre, altaneira,
Com teu verdinho de cana,
Caibreira, linda caibreira
Do povo de Itabaiana!”
José Augusto Pinto Ribeiro prontamente respondia n’A Folha, o órgão oficial do Município:
“ Velha caibreira, velha carcomida
Tombastes aos golpes de um machado
Levando a morte e renovando a vida.”
O poeta Maia Neto perdeu a batalha contra Pinto Ribeiro, mas ficou na história como um precursor dos modernos defensores da natureza. Dizem que o poeta gostava de tomar uns goles sob as frondosas árvores, e numa dessas viagens recebeu a visita da Deusa da Floresta, que veio saber por que o poeta estava chorando, debaixo das caibreiras na Praça Álvaro Machado. A Deusa veio na forma de uma majestosa mulher, enrolada em galhos de videiras, tendo na cabeça um arranjo florido. Consolando-o, a Deusa da Floresta recitou:
“Vim ter contigo, vim quase às carreiras,
Invocar tua musa predileta,
A mesma que chorou junto às caibreiras
Aos golpes de machado, meu poeta!”
“Molhando a palavra” com a autêntica garapa “Beba Ela”, produzida e engarrafada em Maracaípe, o poeta Maia Neto “desapareceu noite a dentro, abraçado à Deusa, cantando essa canção tão triste e evocativa":
“Adeus Itabaiana das caibreiras
Dos fícus benjamins de braços dados.
Debaixo dessas sombras altaneiras
Eu tive belos sonhos embalados.
Adeus Itabaiana dos currais
De gados soltos pelos marmeleiros,
Das gameleiras belas, colossais,
Que ornamentavam meus sonhos brejeiros.
Adeus Itabaiana da harmonia
De mágicos encantos naturais,
Do perdão, do amor, da poesia,
Dos áureos tempos que não voltam mais!...”
A propósito, me lembrei de uma música que o mestre Sivuca criou com Humberto Teixeira, falando dos vegetais, talvez inspirado nos campos e jardins de sua amada Itabaiana:
“Adeus, Maria Fulô,
Marmeleiro amarelou,
Adeus Maria Fulô,
Olho d’água esturricou,
Adeus, vou embora meu bem,
Adeus Maria Fulô.”