O BALANÇO DA TERRA

O BALANÇO DA TERRA

Não foi nenhum armagedom. Foi apenas um alarme sono avisando do dia que ira parar a terra para uma avaliação. Uma contabilidade, mas com balanço, uma sacudida mesmo, daquelas que tem a função de consertar as coisas. Ou concertar as coisas, a fim de restabelecer a harmonia. Não dava para continuar daquele jeito. Depois de tantos ditos e desmentidos, restou apenas essa opção. Pararia para continuar seu baile descrito por Galileu, avessa aos humanos que não deram importância aos avisos de sua sanha destruidora, de gananciosa fúria por dinheiro e poder.

Era ela, agora a tão cantada e festejada terrinha que não aguentava mais. Haja sufoco, fumaça e lixo. Podia logo promover um cataclismo, derramar os mares sobre os continentes, deixando acabar de derreter o restinho do gelo que sobrou para os poucos pingüins terem agasalho. Ou então erodir os vulcões adormecidos ou ainda deixar cair uma chuva tão ácida quanto soda e pronto; estava liquidado com o ser humano e toda a sua tola displicência com a própria casa. E ela, indiferente, em estado de natureza novamente, obviamente depois de retirar toda a sujeira deixada espalhada em todos os seus cantos, ângulos e orifícios.

A democracia finalmente estava chegando por meios naturais. Não deu certo o modelo humano baseado na predação pura. Iam se igualar todos, agora na desgraça.

Gritaria geral. Os primeiros a aderir foram os pães-duros. Agora, finalmente tinham uma desculpa insofismável, uma saída inquestionável para seu modo de vida regrado. O motivo, segundo eles, não era a sovinice. Era a preservação natural. A autopreservação, enfim. Desde quando eram acusados de viver na pobreza para fugir dela, economizando cada centavo de seu dinheirinho que sofriam a acusação da avareza.

Os ambientalistas de primeira e última hora bem que tentaram fazer pose de advogados do diabo: - Nós avisamos o tempo todo que podia ser trágico o fim, ninguém deu ouvidos. Eles tinham uma certa razão e uma certa culpa também. Quanto papel foi gasto com folhetos de campanhas... Quantas árvores derrubadas... Aquelas publicações bonitas, papel couchê, papel vergê, papel. Só depois de muita briga entre eles mesmos é que passaram a utilizar os dois lados de cada folha. Acabaram se redimindo um pouco depois que apareceu a internet, com tanta gente acessando. Mesmo assim ainda ficavam de fora mais de dois terços da população do planeta, que sequer tem acesso à água potável e rede de esgoto, que dirá computadores.

O povão, a massa antiga de todas as manobras, continuava onde sempre esteve esperando para ver como ia ficar (e se ia ficar). Não tinha feito quase nada, agora estava ainda mais acuado e arrependido de não ter varrido (com vassoura de pet) essa cambada de devastadores. Apenas pensava agora o tanto de lixo consumido em busca de uma felicidade feita de silício, aço, alumínio, papel e plástico, as antigas maravilhas do mundo do consumo desenfreado. Até os cartões que tanta dívida fizeram iriam para o espaço. Se bem que ninguém precisaria pagar mais nada. Mas de que adiantaria?

Os industriais é que não arredavam pé até a última hora. Tentavam a todo custo encomendar filtros, estações elevatórias, substituírem o CFC, arranjar uma alternativa ao petróleo, parar com a produção de agrotóxicos... Aquela velha conversa do desenvolvimento sustentável. Ficou sendo uma bela e convincente propaganda, só que se transformara em apropriação das reservas e do espaço natural por alguns poucos endinheirados do mundo. Quer dizer: ‘podemos destruir e consertar o que der, sob o consenso geral’. Mas era tarde. O aviso era tão certeiro e inevitável como o nascer e o por do sol.

Eu bem que gostaria de terminar. Esse talvez seja o último texto para meus antigos leitores, mas a luz começou a dar umas piscadas. Acho que vai acabar... É agora! Pronto, publiquei. Se ninguém conseguir ler, fica para aos futuros arqueólogos salvos por uma arca futurista ou alguém que estava numa nave espacial nessa hora. Quem sabe eles achem isso soterrado ou caiam apelos do céu no futuro em lugar dos meteoros naturais?

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 04/06/2009
Reeditado em 04/06/2009
Código do texto: T1631111