O CAMPEÃO DAS PLACAS
Quando se tem 20 anos nós, homens, encontramos um dilema: é o início da fase adulta, mas com picantes pitadas e bobagens da adolescência. Pois foi nesta época que eu e mais 12 amigos alugamos uma casa em Laguna (SC) para passar o carnaval. “Êh, Betão, lá vai você queimar a cara de novo.” Pois é, plo jeito é o meu estigma.
Como foi o dito carnaval? Bom, tirando levar 12 horas para fazer 400 quilômetros de carro; chegar lá às duas horas da matina e um dos integrantes do grupo já conseguir a proeza de arrumar briga na rua (e a gente ter que apartar); aturar um duelo entre gremistas e colorados, no calçadão da cidade, para verem quem entoava hinos de torcida mais alto, foi tudo bem. E isso tudo só na sexta de carnaval.
Sábado pela manhã é que começamos os rituais carnavalescos a valer, que se iniciam com a devida alimentação e as bebidas de praxe – o que se resume em vina (salsichas para os não-curitibanos) e cerveja... muita cerveja. Funciona assim: usa-se toda a geladeira e mais uns dois isopores para colocar a cerveja. O espaço que sobra é para aqueles pacotes tamanho-família de vina, que será nosso alimento básico ao longo dos quatro dias.
Eu acordava, abria a geladeira, pegava uma lata, catava duas vinas de dentro do pacote, geladas mesmo, passava catchup e mandava pra dentro sem pão nem nada. Delícia! Este era o nosso café da manhã, lanche e janta. Só na hora do almoço é que mudávamos o cardápio e preparávamos uma macarronada, com molho de vina.
A tarde seria usada apenas para mantermos o nível alcoólico equilibrado até chegar a noite. Porém, não esperávamos ver a nossa rotina quebrada tão cedo. Era tarde de sábado e uma parte do grupo foi até o mercado (para comprar mais vinas e cervejas). Quando voltaram estavam brancos e com os olhos arregalados. “Galera, é uma guerra!”, gritou um deles. Explico. Durante as tardes de carnaval em Laguna (pelo menos era assim em 1998) a rua principal vira uma verdadeira praça de guerra, só que as armas são farinha, ovos e água.
Juro, é uma zona. Todo mundo taca tudo em todo mundo. E não seríamos nós que ficaríamos de fora desse, digamos, Passa Ou Repassa em larga escala. Munimo-nos até os dentes de farinha, ovos e baldes com água e fomos à luta. No início da brincadeira escolhíamos nossos alvos ao léu, mas logo encontramos inimigos à altura. Passávamos por uma casa quando um grupo, escondido atrás do muro, nos tocaiou com bexigas d’água. Ah, não!, aquilo não ficaria barato. Reagrupamo-nos, organizamos a estratégia e partimos para a retaliação. Porém, eles chamaram reforços e precisamos bater em retirada.
Depois de tamanha insanidade, fomos nos preparar para a noite. Achei que as confusões tinham ficado para trás, mas estava redondamente enganado. Os 12 saíram para a farra e cada um pegou o seu rumo. Durante a madrugada, a volta da turma se dava aos poucos. Chegava um, depois outro, mais dois e foi assim ao longo de toda a noite. Uns mais bêbados, outros menos, uns rastejando, outros acompanhados, mas nada me prepararia para o que estaria por vir. Tentava dormir, lá por volta de 4 horas da manhã, quando dois dos meus amigos chegaram carregando uma placa. Isso mesmo, uma placa.
Eles não paravam de rir, da “façanha” da qual tinham sido protagonistas, quando perguntei: O que é isso? Uma placa, oras!, responderam. Isso eu to vendo, mas por que ela está aqui?, continuei. Ah, porque a gente achou legal capturá-la, concluíram brilhantemente. Era uma placa onde estava escrito “Garagem, não estacione.” O fato é que cada um que chegava em casa via a placa na sala, perguntava o que ela estava fazendo ali, recebia a mesma resposta e, por fim, achava o máximo. Alguma coisa me diz que também não estavam sóbrios.
A diversão que demonstravam os dois gatunos da placa era tamanha que contagiava a todos. Resultado: na noite seguinte elaboramos uma competição. Uma corrida às placas. Rapaziada, vocês já devem imaginar: ao fim da noite seguinte a casa estava forrada de placas. Cuidado, cão bravo; Zuleica, a cartomante; Manicure, pedicure e curandeira; Quer ganhar dinheiro fácil, pergunte-me como; Quer emagrecer, pergunte-me como; Vende-se; Aluga-se; Troca-se; Mega Sena acumulada; Queima de estoque; Precisa-se de datilógrafa (naquela época ainda precisava-se)... Tinha de tudo.
A discussão já ia longe para saber qual seria o vencedor quando nos demos conta de que ainda faltavam dois dos competidores/moradores da casa. Ambos passaram a noite pulando carnaval, bebendo, logrando as moçoilas, dançando, cantando e só na hora de voltar para casa se lembraram da competição. Foram então em busca da placa dos sonhos, aquela que os tornariam imbatíveis. Procuraram por um longo tempo sem encontrar uma placa digna do primeiro lugar. Estavam quase desistindo quando observaram ao longe uma luz descer do céu e apontar, como se guiasse o caminho para o Santo Graal, “A placa”. Era uma magnífica e reluzente placa de trânsito. Mais precisamente uma placa de “PARE”.
Não tiveram dúvida: era ela. Posicionaram-se um em cada lado do poste que sustentava a placa e começaram o puxa pra cá, puxa pra lá, puxa pra cá, puxa pra lá até que o poste se soltou da calçada. Felizes, partiram com a certeza da vitoria. Um posicionou-se à frente, segurando o topo, onde estava fixada a placa, e o outro segurava o pé do poste de madeira. Quando chegaram a uma esquina, cerca de três quadras de casa, precisaram parar para a passagem de um carro.
O veículo diminuiu a velocidade, parou, e eles perceberam que era uma viatura da polícia. Os dois ficam petrificados, com poste e placa em punhos. O policial, de dentro do carro, olha, olha... e educadamente faz sinal para que os dois atravessassem a rua sem risco. Muito simpático o Seu Guarda. Aliviados, eles seguem, mas com o devido cuidado de atravessar sobre a faixa de pedestres.