COM PIMENTA MENINO NÃO AGUENTA.
(Herivaldo Ataíde – junho de 2009)
Se tem uma coisa mais imprevisível que menino, ainda está pra nascer. Digo menino de um modo geral. Tanto faz o sexo quanto a cor, está tudo no mesmo balaio de gato.
Um sobrinho meu de nome Manoel Cícero era um garoto extremamente ativo. Por onde ele passava, parecia uma tempestade, deixava marcas em todo canto. Não havia um só lugar onde fosse que não chegava uma reclamação. A criatura era mesmo de causar espanto.
Cheguei a pensar, certa altura, que o Diabo quando não tinha o que fazer descia pra brincar com ele. Tantas foram seus feitos que lhe dei o carinhoso apelido de “Brinquedinho do Diabo”. Não sei se fui justo, mas o fato era que ele fazia por onde merecer tal alcunha.
Graças a Deus hoje é um homem feito, trabalhador, pai de família, primo adorado e acima de tudo um bom caráter. Fico feliz toda as vezes que lhe encontro e temos a oportunidade de conversarmos lembrando os velhos momentos em que passamos juntos.
Deixe-me ir logo ao assunto antes que o leitor fique com raiva e desista da leitura. As vezes quando o texto demora muito a tomar sentido eu faço isto. Perco o tesão e mudo pra outro assunto mais interessante.
Bem caro leitor. Cícero fazia parte de uma turminha de uns quatro sobrinhos que tive por conta de meu casamento. Ele, Rubens, Renata e Rodolfo estavam sempre por ali nas horas em que menos precisávamos dele. Justamente quando os adultos se reuniam pra tomar umas cervejas regadas a um papo descontraído e bons tira-gostos, preparados por Cinzano, codinome do velho amigo e cunhado Adailton, pai dos três últimos personagens, eis que apareciam.
Era só colocar os petiscos na mesa que essa galera chegava não sei de onde, feito gafanhotos, devorando rapidamente nosso tira-bafo.
Todo santo dia não importando a hora em que nos reuníamos eles estavam por perto só pra nos atazanar.
Belo dia cansado de tanto dividir o de beliscar com esses meninos alguém da turma de bebiólogos, digo assim porque não me considero um bebedor, só um cientista na matéria etílica, resolveu fazer uma experiência. Como só tinha adultos na roda de prosa e álcool, achou de meter pimenta no prato de siri mole que Adailton acabara de trazer.
O primeiro a provar foi justamente o mais novo. Rodolfo tinha na ocasião uns três a quatro anos e saio disparado feito gato ladrão quando rouba peixe no varal. Só se ouviu o choro dele aos pés da mãe que estava na cozinha sem saber o fazer. Depois, pela mesma linha veio Renata e Rubens. Ambos saíram abanado a boca e correndo atrás de água. Manoel Cícero era o mais velho e metido a homem, só derramou algumas lágrimas, mas ficou por ali à nossa volta com os olhos amarelos e ar desconfiado feito cachorro de fazenda.
Foi um santo remédio meu amigo. Nunca mais estas criaturas meteram a mão onde não eram chamados. Toda vez que se colocava um petisco eles perguntavam logo se tinha pimenta. Quando dizíamos que sim, mesmo não tendo, eles não tocavam na comida.
Mais de quinze anos depois, o único daqueles sobrinhos viciado em pimenta é o Manoel.
Se você tem em casa uma turminha como esta pode ser que ajude, mas esteja sempre preparado pro pior. Deixe sempre perto um pote com açúcar. Além de cortar o efeito da malvada, serve pra caipirinha.
(Dedico esta crônica aos queridos sobrinhos: Manoel Cícero ferreira, Rubens, Renata e Rodolfo Rocha Ferreira.)