A NOSSA INDIFERENÇA...
“PESSOAS VÃO SE TRANSFORMANDO EM PESO
PARA O MUNDO. ACABAM COM
DOIS MIL KILOS
DE INDIFERENÇA,
DESAGRADO
E SOLIDÃO”.
(Artur Távola)
Recentemente recebi um e-mail contando a história de um cidadão bem sucedido que apropriou-se da candura do bem, mas sabia que sua vida abastada não lhe permitiria ser tão eloqüente na busca da verdade das pessoas, até porque quem reúne boa condição financeira, na maioria da vezes, nunca sabe quem verdadeiramente o estima. Por isso resolveu escolher certa região do ano para fazer uma metamorfose da sua vida, transformando-se (aos olhos das pessoas em geral), num outro cidadão simples. Incorporou a identidade de um trabalhador qualquer de rua – um gari. Queria estar presente no meio das pessoas, nos logradouros urbanos, para vicejar a graciosidade de quem lhe fosse humano e deparar com a crueldade da indiferença daqueles que não enxergam um palmo além da sua mesquinhez.
Conta o dito cidadão que às vezes chegava a esbarrar nas pessoas para ver se eles o notavam, mas nem sequer eram capazes de esboçar uma reação (fosse para uma repulsa ou para um resquício de atenção). Era um ser invisível que perambulava pelas ruas, pois todos passavam por ele e nem sequer o olhavam como um ser humano ou como alguém importante na sua profissão, já que para muitos limpar a rua é serviço para os excluídos da sociedade.
A indiferença é um grau de nossa liberdade, pois somos nós que escolhemos ser indiferentes. Agimos dessa forma porque nos afastamos da responsabilidade de questionar as razões para que algumas pessoas possam ser tão desfavorecidas pela vida. Disse o pensador GABRIEL MARCEL: “Descartes já o tinha percebido com uma admirável clareza: A liberdade da indiferença é o grau mais baixo da liberdade”. É cruel sabermos que tantos já lutaram por liberdade, mas ainda muitos não sabem usá-la como devem. Ter liberdade não é sermos único. Ninguém consegue ser único. Assim, vamos escolhendo a quem pode ser próximo. Na maioria das vezes cedemos esse espaço a alguém que possa expressar poder, ou a alguém que nos é puxa-o-saco com a única finalidade de satisfazer nossa vontade de ser superior. Não percebemos que ninguém é superior. Existem pessoas mais evoluídas, mais sábias, mais educadas, mais polidas, mas também existem pessoas mais ignorantes, mais metidas, mais interesseiras, mais egocentristas. Essa ciranda é uma constante em nossa vida, por isso temos de administrá-la com sapiência para não nos tornarmos indiferentes.
Ontem mesmo aqui na minha assessoria ouvi uma colega dizer o seguinte: - Esse presidente do Tribunal de Justiça não me cumprimenta e não me vê passando no corredor (quando cruza por mim) mesmo que eu faça piroletas na sua frente!!!. Evidente que essa colega não está querendo aparecer ou algo do gênero. O que ela realmente deseja é ser notada como ser humano, como funcionária, afinal um cumprimento é uma coisa tão simples que pode ser dado a qualquer um que enxergamos na rua, sem que isso possa ser considerado um gesto incomum.
Por essas e tantas outras posturas é que o pensador DAVID SALLEVY já disse: “A rua é mãe de muitas crianças; o lixo é o berço de muitos bebês; nossa indiferença, o infanticídio”. Isso quer dizer que “não estamos nem aí” com os problemas dos outros, mormente quando se trata de uma questão social, pois sempre nos vem a idéia de que são os governantes os responsáveis por essas mazelas da vida. No mesmo esteio de pensamento disse ainda o pensador acima citado: “A maior solidão é aquela que se dá não pela ausência de pessoas, mas pela indiferença da presença delas”. Esses pensamentos não são atributos apenas de um pensador que tem o dom de criar frases de impacto. Eles também estão presentes nas noções elementares de vida que cada um de nós tem em nosso íntimo, pois, afinal, temos consciência de que nosso meio social é carente de atenção e precisa de um pouquinho de nossa ajuda para se tornar mais humano e mais digno para as pessoas como um todo.
Assim, nunca é demais andarmos atentos pelas ruas e olharmos com um pouco mais de atenção os nossos semelhantes, até porque quando estivermos exercitando essa conduta aprenderemos a valorizar um pouco mais a nossa própria condição de vida, pois certamente iremos enxergar todo tipo de injustiça e de solidão. Eu creio muito que determinados acontecimentos que fogem de nossa sondagem, como as tragédias coletivas, ou os fenômenos naturais, são desígnios de Deus para que possamos valorizar um pouco mais o que temos, porque não raras vezes nos vemos criticando a nossa vida miserável, porque não somos capazes de enxergar que na verdade são os outros que vivem em condições desumanas e não nós que temos um emprego, temos saúde, temos uma família, não passamos frio, etc. etc.
Destarte, creio que não é nada demais cumprimentar alguém que passe a nosso lado, principalmente quando estivermos num ambiente de trabalho, posto que todos que ali estão - independente do que fazem – representam o preenchimento de uma necessidade básica da estrutura como um todo. É triste quando você chega na sua mesa de trabalho e ela está suja. Aí você reclama que o serviço de limpeza não está eficiente. Mas esquece que noutros dias a sua mesa estava limpinha. Isso quer dizer que alguém está doente ou faltou por alguma razão de relevância. Além do que, o episódio serve para lhe mostrar quão importante é o serviço de limpeza. Destarte, todos os setores de uma grande empresa são necessários e importantes. É verdade que há uma diferença de capacidade e de atuação, entretanto, num grande prédio mesmo que a parte superior seja a mais bonita e mais luxuosa, ela não existiria se não fosse a base calcada em grandes colunas que lhe dão sustentação.