UM POETA NA GARRAFA... À DERIVA
Sentei-me no cais a mirar as ondas quebrando-se impetuosas e indaguei o mais alto que pude, em pensamento: Por que esta sensação de estar sempre vivendo à deriva? Abandonada nas águas! Sendo levada pela correnteza! Mareada!
Quanto invejo os jubilados sobreviventes das marés bravias! Como desejo o porto seguro dos velhos marujos!
E uma voz cansada veio a mim.
_ Também desejei ancorar no passar dos anos. Igualmente almejei atracar a alma e aposentar minha barcaça. Confesso que tentei. Mas, espere um pouco! Preciso verificar onde realmente naufraguei....Cá estou! Perdido no amarelo pardo das folhas de um livro empoeirado, soltando meu grito de escritor. Ouça!
Sem conseguir definir de onde vinha aquela voz, obedeci. Ela declamou:
“Responda-me! Use agora seu próprio encantamento. Se antevê o futuro o profeta, qual é o destino das palavras de um poeta?
Não queira afirmar-me caro leitor, coisas que nem sequer suspeita o próprio escritor. Então, lhe digo amigo! Enveredam por bosques incertos de tristeza. Por enseadas lúgubres de beleza. Andam perdidas as palavras dos poetas mortos e vivos.
Não tente traduzi-las com igual paixão, se ao leres sequer compreendes que, com sofreguidão, estas palavras vagueiam à deriva, procurando abarcar-se de um solitário coração!”
A voz calou-se por um instante, como quem acaba de fechar um livro. Depois, continuou:
- Encontro-me naufragado nas palavras. Todas minhas, vindas de algum lugar que não sei o nome, rumando para uma direção que não sei qual é. Nunca encontrei minha âncora! Abandonei-me à sina de atrever-me pelos oceanos da escrita até o fim dos meus dias. Veja-me! Sou um velho poema de amor guardado numa garrafa, jogado nas ondas. Flutuo na esperança de que alguém me encontre, me abra e me decifre. Alguém que leia minha ânsia de escritor e salve-me de morrer como se não tivesse existido.
Com um suspiro finalizou:
_ As almas nunca atracam, moça. Mesmo quando se sentam no cais para contemplar às águas.
Compreendi! Por engano julguei-me capaz de ancorar-me quando bem entendesse, ignorando que as almas estão eternamente à procura.
Avisto uma garrafa afastando-se do cais para entregar-se à imensidão azul. Reconheço uma silhueta familiar a navegar dentro dela. Um sapo!
- DAGGER LOR! É VOCÊ?
O barulho das ondas foi a única resposta. A garrafa varou mar adentro levando consigo o sapo poeta. Deixando-me a compor este texto... à deriva.
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ESTE TEXTO FAZ PARTE DO VIII DESAFIO RECANTISTA