Quando as águas se cansarem

"O que você vai fazer hoje? Virar à esquerda ao invés de virar à direita?" É o que diz uma propaganda que vi recentemente, nos incitando a sair da mesmice do cotidiano. Porque fazer algo diferente exercita nossos neurônios sedentários, sacode nossa poeira interna e acende nossas luzes de emergência - o que, no mínimo, nos dá a certeza de estarmos vivos, e de que esta vida não prescinde de propósito: ela é um presente que devemos usufruir antes que se esgote.

Algo diferente assim como, num dia normal de trabalho, esquecer de alguns compromissos (que no fim se mostram plenamente adiáveis) e sair pela cidade, a louca cidade que não exatamente escolhi para morar mas que no fim das contas foi onde minhas raízes se fincaram, dando sustentação a uma árvore cheia de ramificações. E perceber que, na verdade, não conheço bem esse monstro que me acolhe e me tolhe ao mesmo tempo, essa metrópole alucinada e alucinante que engole meus dias com uma fome pouco comum.

Ando a pé em avenidas movimentadas, sem rumo certo, no meio de um mar de automóveis e gente, que sem que eu me dê conta me levam a algum lugar. O mesmo destino de todos, pois que, folha boiando na superfície da água, sou conduzida passivamente pelos meus companheiros e companheiras de lar – se é que podemos chamar de lar a cidade que mais nos toma que nos dá, que mais exige do que oferece. A cidade que abriga tanta gente que fica impossível saber quem leva e quem é levado, quem conduz e quem é conduzido, quem guia e quem é guiado...

Só sei que vou, e que não posso parar. Seja assim, andando sem rumo nesse oceano de pessoas igualmente perdidas, ou caminhando a passos decididos rumo a um ponto de chegada pretensamente certo e sabido, continuo à deriva. Não sei para onde me levam os pés, seja quando eu os movimento por conta própria ou quando sou empurrada, arrastada, tratada como uma formiga a mais nesse formigueiro gigantesco de poucas rainhas e muitos operários.

E finalmente percebo que, ainda que tenha tentado o exercício de fazer algo diferente caminhando a pé na multidão, na verdade apenas reproduzi com exagero a minha vida diária: é à deriva que meus dias se sucedem, pois não sei de um porto de chegada. Caminho, pois que outra coisa não se pode fazer, mas caminho sem ter idéia de meu destino final. Meu destino... Como a folha boiando sobre as águas, deixo que meus dias me levem, tendo apenas uma certeza: quando as águas se cansarem e a folha enfim estancar, é ali que ele estará.

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Este texto faz parte do 8º Desafio Recantista de 2009

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