Quando é que nossa ficha cai?

Já observei que o mundo  em sua alta velocidade só para e faz um minuto de silêncio diante de uma tragédia ou uma catástrofe. Parece que é, justamente nestes momentos, que nossa ficha cai e nos perguntamos: "Pra que tudo isso? Por que corro tanto assim? Por que vivo tão estressada com coisas tão pequenas? Por que não paro tudo vou fazer só o que quero e ficar mais tempo com as pessoas que amo?

É como se houvesse um instante de lucidez total e, por alguns minutos a gente apreende a vida do jeito que ela é.

Com o desaparecimento trágigo do boeing 447 da Air France, com quase 250 pessoas a bordo, na noite de domingo passado, vi este fenômeno acontecer mais uma vez. Comoção geral entre as pessoas nas ruas, escolas e lares,  e aquele sentimento aflorado nas expressões de cada um.

Ouvi do vendedor de frango de minha rua (sempre muito sábio) a seguinte reflexão:  "Pois é, Dona, a gente fica aqui contando os trocados, querendo coisas que a gente não pode ter, desejando ser o que não é e a gente não nota que a vida é só uma e que pode ser interrompida a qualquer momento. Por que a gente não torna a vida mais simples e  valoriza só o que tem que ser valorizado, que é o amor e a felicidade?"

E ouvi também de um motorista de taxi:
"Sabe , Dona, eu nunca mais vou correr e fazer loucuras no trânsito com meu taxi pra satisfazer capricho de passageiro. Imagine a senhora, que ontem (domingo) eu peguei um casal de americanos, muito nervosos, que me disseram que tinham que pegar aquele vôo 447 à 19h no aeroporto Tom Jobim, e que estavam atrasados. Me deixaram muito tensos porque a mulher gritava, 'corra motorista, eu morro se não pegar este avião!'. Sim, eu fiz um esforço e quase morri neste trânsito aqui para que eles não perdessem o vôo. E olha aí o que aconteceu. Isso me fez repensar sobre minha vida. Vou me aposentar e ficar mais tempo com minha mulher, filhos e netos."

Esses e outros exemplos nos fazem pensar que a catátrofe é muitas vezes uma espécie de "tapa na cara" do ser humano. Pois é aí que ele pára, nem que seja por algumas dias ou horas, e pensa sobre a real essência da vida. É quando ele se despoja de toda pequenês criada pelos meios de comunicação nutridos por uma imensa vontade de que a vida seja diferente e cada vez mais ilusória. Onde o que tem valor é o comprável, o descartável, os modelos estéticos impostos, a competição e a soberba. Onde a alma do mundo ganha cifrões e lucros imorais.

Mas, quando a ficha cai, o ser humano se engrandece e vê o mundo de cima com os valores que realmente existem. Daí, se torna forte, sábio e mais humanizado entendendo a vida do jeito que ela é.

Porém, infelizmente, para a maioria, essa lucidez da alma é passageira. O ser humano adora viver no mundo da ilusão, desde a idade das cavernas. Logo, logo, a lucidez volta a ser escanteada pelas aparências do mundo andywarholriano, e ele só volta a pensar, quem sabe, numa próxima catástrofe, ou talvez quando chegar a sua própria tragédia.









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